terça-feira, 6 de junho de 2017

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – TEXTO DO MANUAL DE DIREITO PROCESSO CIVIL – PROF. CASSIO SCARPINELLA BUENO

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11. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

A quarta e última Seção do Capítulo VI do Título II do Livro III da Parte Especial, sobre os “recursos para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça”, dedica-se à disciplina os “embargos de divergência” (arts. 1.043 e 1.044).

O recurso de embargos de divergência tem como objetivo uniformizar a jurisprudência com a nota distintiva de que ele se restringe ao STF e ao STJ, não havendo previsão legislativa para o seu uso perante os outros Tribunais.

É correto entender que para bem desempenharem o seu papel institucional, a eles reservado pelo modelo constitucional do direito processual civil, é fundamental que o STF e STJ tenham, eles próprios, sua jurisprudência uniformizada em seus diferentes órgãos judicantes. Nada de diferente, portanto, do que pretende o caput do art. 926, quando impõe o dever de os Tribunais manterem sua jurisprudência íntegra e coerente. A pressuposição de que ela também seja estável não se confirma, dada a razão de ser dos embargos de divergência.

As hipóteses de cabimento dos embargos de divergência estão indicadas nos incisos I a IV do art. 1.043, que ampliou sensivelmente a previsão feita pelo art. 546 do CPC de 1973.

De acordo com o dispositivo, “É embargável o acórdão de órgão fracionário que: I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; II – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade; III – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia; IV – nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal”.

As três primeiras hipóteses dizem respeito à divergência ocorrida ao ensejo de recursos extraordinários ou recursos especiais, independentemente de a divergência ocorrer no âmbito do juízo de mérito recursal (inciso I) ou no juízo de admissibilidade (inciso II) ou, ainda, quando, a despeito da não superação do juízo de admissibilidade, a controvérsia (o mérito) ter sido apreciado (inciso III), situação que é mais frequente do que, à primeira vista pode parecer, porque a admissibilidade e o mérito de recursos de fundamentação vinculada, como o são o extraordinário e o especial nem sempre são separados com o rigor que boa técnica recomenda.

A quarta hipótese, prevista no inciso IV do art. 1.043, espraia os embargos de divergência para além dos recursos extraordinário e especial. Assim, por exemplo, acórdão proferido em ação rescisória julgada originariamente no STJ (art. 105, I, e, da CF) pode ser objeto destes embargos porque o entendimento nele prevalecente diverge do julgamento que predominou em acórdão da 1ª Turma daquele Tribunal sobre a mesma questão.

A ampliação das hipóteses de cabimento é iniciativa louvável para viabilizar o aprimoramento da discussão no âmbito do STF e do STJ sobre as mais diversas questões de direito constitucional ou direito legal federal – e sua constante atualidade e atualização – que, como quer o CPC de 2015, servirão, em última análise, como verdadeiros indexadores da jurisprudência nacional (art. 927). E com um detalhe importante: o CPC de 2015 permite que a identificação da divergência se dê no plano substancial e não apenas no plano formal, ou seja, que a divergência ocorra em quaisquer planos de manifestação daqueles Tribunais.

O § 1º do art. 1.043 corrobora esta afirmação ao permitir, em reforço à hipótese do inciso IV do mesmo dispositivo, o confronto de teses jurídicas extraídas de recursos ou de processos de competência originária dos Tribunais Superiores. Também o § 2º, ao expressamente admitir que os embargos de divergência versem sobre questões de ordem material e de ordem processual o que atrai, para cá, as mesmas considerações que faço a propósito do parágrafo único do art. 928 no n. 2.2 do Capítulo 16.

Da mesma forma, o § 3º do art. 1.043 admite os embargos de divergência indicando como paradigma acórdão da mesma Turma (o caput do art. 1.043 faz referência a órgão fracionário) que proferiu a decisão embargada desde que sua composição tenha sido alterada em mais da metade de seus membros. O dispositivo, não nego, pode ser alvo de críticas dos defensores do “common law brasileiro”, já que ele, expressamente, admite a ocorrência de divergência, levando em conta a alteração dos membros dos Tribunais enquanto naquele sistema, o que interessa é a jurisprudência, digo, os precedentes, dos próprios Tribunais, isto é, das próprias Cortes. Particularmente, diante do que escrevo no n. 2.1 do Capítulo 16 acerca do nosso direito jurisprudencial, a previsão é digna de destaque porque tem o condão de viabilizar a atualização da jurisprudência dos órgãos fracionários diante de seus atuais membros e das constantes. A integridade e a coerência da jurisprudência devem levar em conta essa nossa particularidade.

11.1 Demonstração da divergência

O que a petição de interposição dos embargos de divergência traz de próprio em relação aos demais recursos é a escorreita demonstração da divergência, similarmente ao que ocorre com o recurso especial fundamentado na letra c do inciso III do art. 105 da CF.

É essa a razão pela qual o § 4º do art. 1.043 prescreve caber ao recorrente provar a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, em que foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte.

Além dessa exigência que, reitero, diz respeito à existência formal da divergência (o acórdão paradigma), é ônus do embargante comprovar a existência substancial da divergência, pelo que o mesmo § 4º do art. 1.043 impõe a ele que mencione as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Aqui também, portanto, a chamada demonstração analítica da jurisprudência é de rigor.

Não, prezado leitor, não se trata de formalismo nenhum, mas de algo que se relaciona à razão de ser do recurso. É preciso confrontar o caso concretamente julgado com o indicado como paradigma para verificar por que situações iguais de fato em sua essência justificaram decisões jurídicas diferentes em sua essência. Formalismo é ir além disso, exigindo, por exemplo, identidade absoluta dos fatos e dos acontecimentos; menção a números de dispositivos legais e coisas do tipo. O confronto de teses, entre o julgado em concreto e o paradigma, tanto na sua perspectiva fática como na sua perspectiva jurídica insisto, é inerente a este recurso, tanto quanto o é para o recurso especial fundado na divergência jurisprudencial. Tudo para justificar a incidência da tese do paradigma no caso julgado.

Porque não se trata de formalismo, mas da razão de ser do próprio recurso, é que o § 5º do art. 1.043, pertinentemente, veda expressamente que o Tribunal deixe de admitir os embargos de divergência “com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção”.

O adequado exercício da distinção – e do ônus argumentativo correlato – é, mesmo no direito jurisprudencial brasileiro, indispensável. Se os casos não são, em essência, equiparáveis, não há razão para os embargos de divergência. No entanto, isso precisa ser especificamente demonstrado à luz do próprio caso concreto. Nada, portanto, que não mereça ser escrito a propósito dos arts. 926 e 927, inclusive por força da expressa remissão que o § 1º deste último faz ao § 1º do art. 489 e, para tanto, são suficientes as reflexões que trago no n. 2.3 do Capítulo 11, com destaque aos incisos V e VI daquele dispositivo.

11.2 Processamento

O caput do art. 1.044 reserva aos regimentos internos do STF e do STJ competência para disciplinar o procedimento dos embargos de divergência.

O § 1º do art. 1.044 trata da interrupção do prazo para recurso extraordinário por qualquer das partes quando houver interposição de embargos de divergência de acórdão proferido pelo STJ.

Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, isto é, do acórdão embargado, eventual recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência – a despeito da regra do § 1º do art. 1.044 – será processado e julgado independentemente de ratificação. É o que estatui o § 2º do art. 1.044 em harmonia com o que, para os embargos de declaração, reside no § 5º do art. 1.024.

Sim, prezado leitor, na hipótese oposta é correto entender que o recorrente terá prazo de quinze dias para adequar o seu recurso ao que foi alterado ou modificado – e nos exatos limites em que isso se verificou –, mercê do acolhimento dos embargos de divergência. Não há espaço para duvidar da incidência do disposto no § 4º do art. 1.024 e do princípio da complementariedade nele agasalhado à hipótese.

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Bons estudos a todos e sucesso!

ANDRÉ DA SILVA CARDOSO
Acadêmico de Direito – Faculdade Gamaliel
6º Período


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