segunda-feira, 5 de junho de 2017

RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL – TEXTO DO MANUAL DE DIREITO PROCESSO CIVIL – PROF. CASSIO SCARPINELLA BUENO

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Trata-se de extratos da obra em epígrafe, e traz a disciplina dos recursos especial e extraordinário resumidamente. Para a compreensão da matéria é conveniente estar com a legislação em mãos para fazer a leitura concomitante. Lembro ainda que, esta obra está disponível para download, na aba respectiva.

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9. RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL

A Seção II do Capítulo VI do Título II do Livro III da Parte Especial trata concomitantemente do recurso extraordinário e do recurso especial. Há duas subseções pelas quais a disciplina é dividida: disposições gerais (arts. 1.029 a 1.035) e julgamento daqueles recursos quando repetitivos (arts. 1.036 a 1.041).

Nesse número, ocupo-me com as disposições gerais; no próximo, enfrento a sistemática daqueles recursos quando repetitivos.

O prezado leitor perceberá que não há, no CPC de 2015, nada sobre o cabimento do recurso extraordinário e do recurso especial, apenas com relação ao seu processamento. O legislador sequer quis repetir a CF, diferentemente do que fez para o recurso ordinário, talvez para resistir à tentação de alterar nem que fosse uma pequena palavra, de fato, ocorreu no art. 1.027.

O que há, de muito melhor técnica legislativa, é a previsão do art. 1.029 que, sutil e suficientemente, faz referência às hipóteses constitucionais de cabimento daqueles recursos.

Assim, antes do estudo do processamento daqueles recursos, cabe extrair da CF o que ela reserva para o cabimento daqueles recursos.

A previsão do recurso extraordinário está no inciso III do art. 102 da CF, assim redigido: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

Todas as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário dizem respeito, em última análise, a questões de direito constitucional federal, o que não poderia ser diferente diante do caput do art. 102 e da missão precípua do STF, de modo a viabilizar que aquele Tribunal, no exercício de sua competência recursal extraordinária, estabeleça os parâmetros interpretativos sobre a CF a serem observados em todo o território nacional. Isso mesmo nos casos das alíneas c e d, quando há referência a confronto entre leis. É que naqueles casos, prezado leitor, o que está em discussão é, antes de tudo, a repartição constitucional das competências (os arts. 22, 24 e 30 da CF, principalmente) e, portanto, o que se quer definir é qual ente federado tem, por causa da CF, competência para legislar sobre o quê.

É necessário extrair do inciso III do art. 102 da CF, outrossim, o entendimento de que o recurso extraordinário pressupõe decisão proferida em única ou última instância. Não há, aqui, necessidade de ela ter sido proferida por nenhum Tribunal, sendo bastante que da decisão não caiba mais nenhum outro recurso ordinário, nos termos da classificação que proponho no n. 2.2, supra. A exigência, além de confirmar a necessidade e a importância da causa decidida, marca a função, a ser exercida pelo STF no exercício de sua competência recursal extraordinária, de estabelecer parâmetros interpretativos objetivos das questões constitucionais. Não se trata de uma nova, terceira ou quarta instâncias. Como aquele dispositivo não faz nenhuma menção a Tribunal, é correto entender que é possível recurso extraordinário de decisões dos Juizados Especiais, desde que se tratem das decisões sobre as quais não caiba nenhum outro recurso.

Além da demonstração da questão constitucional e de que se trata de decisão proferida em única ou última instância, o recurso extraordinário deverá também ostentar repercussão geral. É o que exige o § 3º do art. 102 da CF nos seguintes termos: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. É como se a alegação de contrariedade à CF não fosse ela própria suficiente para demonstrar a gravidade da situação, impondo ao recorrente que demonstre um plus, objeto de regulação infraconstitucional no art. 1.035, o que me ocupa no n. 9.3, infra. A repercussão geral acaba fazendo as vezes de um verdadeiro filtro que permite ao STF deixar de julgar casos que, no seu entender, não apresentam as referidas exigências constitucionais.

As hipóteses de cabimento do recurso especial estão no inciso III do art. 105 da CF, assim redigido: “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

Similarmente ao que acabei de acentuar com relação ao recurso extraordinário, o recurso especial volta-se a questões de direito infraconstitucional federal. O que se quer com ele, em última análise, é viabilizar que o STJ, no exercício de sua competência recursal especial, dê a última palavra sobre a interpretação da lei federal em todo o território nacional. Mesmo nos casos da alínea b do inciso III do art. 105, o confronto lá retratado diz respeito ao prevalecimento de lei federal sobre ato infralegal estadual.

As mesmas considerações que fiz com relação ao recurso extraordinário e à necessidade de exaurimento de instância são imprescindíveis para o recurso especial, que também pressupõe a causa decidida. Única diferença, contudo, é que para o especial, importa que a decisão recorrida para o STJ tenha sido proferida por TRF ou por TJ. É o que basta para descartar, sob pena de violar o modelo constitucional, o recurso especial de decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais, mesmo quando exauridos todos os recursos nele cabíveis. É o entendimento consagrado (corretamente) pela Súmula 203 do STJ.

Como esclareço no n. 2.2, supra, é comum agrupar os recursos extraordinário e especial (e isso vale também para os embargos de divergência) em contraposição aos demais recursos para, classificando-os de extraordinários, enfatizar a sua função primária de definição da interpretação e da uniformização do direito constitucional e infraconstitucional brasileiro e somente em segundo plano satisfazer o interesse das partes. Tanto assim – e de forma absolutamente coerente com o seu modelo constitucional – que estes recursos não se prestam a reexame de prova (por isso as Súmulas 279 do STF e 7 do STJ) ou a reexaminar cláusulas contratuais (por isso as Súmulas 454 do STF e 5 do STJ). São recursos, é certo afirmar, de direito estrito. A partir de um dado quadro fático estabelecido soberanamente pelas instâncias anteriores, cabe ao STF ou ao STJ aplicar a CF ou a lei federal, respectivamente.

Também, e sem prejuízo do que já escrevi, é fundamental compreender que os recursos pressupõem, por isso e por nenhuma outra razão, o que os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF chamam de “causa decidida”. A função de revisão e de controle da constitucionalidade e da legislação federal pressupõe prévia decisão anterior. Se nada decidiram, não há padrão de confronto com a CF ou com a legislação federal. A afirmação merece ser entendida amplamente porque pode acontecer que aquilo que foi decidido o tenha sido de maneira errada, não levando em conta o arcabouço constitucional e/ou legal federal aplicável à espécie. Se assim ocorreu, contudo, é irrecusável que o que foi decidido, no lugar do que deveria ter sido, tem aptidão de contrariar a CF ou a lei federal. É o que basta, no ponto, para o cabimento do recurso extraordinário ou do especial.

É comuníssimo tratar de pré-questionamento quando o assunto é recurso extraordinário e recurso especial. O próprio CPC de 2015 o faz em duas oportunidades, no § 3º do art. 941 e no art. 1.025.

Para cá, basta frisar o que escrevo no n. 3.4 do Capítulo 16 e no n. 7.7, supra, quando trato daqueles dispositivos, respectivamente: trata-se de uma falsa exigência, não obstante ser consagradíssima pela prática, pela doutrina e, há cinquenta anos, pela própria jurisprudência do STF assim como, mais recentemente, também pela do STJ. O que é constitucionalmente exigido para o cabimento do recurso extraordinário e para o recurso especial é o que acabei de evidenciar, nos precisos termos dos incisos III dos arts. 102 e 105 da CF. Nada além daquilo, nada, pois, de pré-questionamento.

O que é necessário para o cabimento do recurso extraordinário é haver a alegação de que houve violação à CF a partir de causa decidida por única ou última instância; para o cabimento do especial, a alegação de violação à lei federal pressupõe causa decidida por única ou última instância pelo TRF ou pelo TJ. Para além da alegação da violação – os recursos são de fundamentação vinculada –, saber se ela existe, ou não, já é mérito. Repito: nada de prequestionamento.

Por isso, deixo o seguinte convite ao prezado leitor: toda vez que a palavra prequestionamento aparecer, leia-a e entenda-a como sinônimo de causa decidida.

9.1 Petição de interposição

Bem entendidas as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário e do recurso especial, dou início à análise dos dispositivos codificados que tratam de seu processamento.

O art. 1.029 trata da petição de interposição daqueles recursos. Eles serão apresentados, de acordo com o caput daquele dispositivo, perante o Presidente ou o Vice-presidente dos TJs ou TRFs – competência definida pelos respectivos regimentos internos – em petições distintas, isto é, uma para cada recurso, que conterão, além das exigência de todos os demais recursos, o seguinte: (i) a exposição do fato e do direito; (ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto;  (iii) as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.

Em se tratando de recurso especial fundamentado na letra c do inciso III do art. 105 da CF – o chamado recurso especial pela divergência –, é ônus do recorrente demonstrar a divergência jurisprudencial, observando o disposto no § 1º do art. 1.029, que se refere a duas ordens de demonstração.

A primeira é a formal, consistente na prova de que há acórdão divergente daquele que foi proferido no caso concreto a justificar a atuação do STJ com a finalidade de compor a divergência entre tribunais diferentes, estabelecendo qual é a interpretação a ser observada. A prova deste acórdão divergente (o paradigma) deve ser feita com certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que ele tiver sido publicado, ou, ainda, com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, sempre com a indicação da respectiva fonte.

A segunda demonstração é de ordem substancial, conhecida pela prática de demonstração analítica da divergência, isto é, a necessidade de o caso concreto julgado e o indicado como paradigma serem comparados para comprovar que situações fáticas essencialmente iguais receberam tratamento jurídico diferente. É o que a parte final do § 1º do art. 1.029 quer dizer quando exige que sejam mencionadas “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.

Nenhuma das exigências é vazia de significado e não podem ser concebidas como exigências puramente formais. Sua razão de ser é a de viabilizar ao STJ o exercício de sua competência recursal especial a partir de algo que, para um Estado federado, é gravíssimo: situações fáticas essencialmente iguais sendo tratadas diferentemente a partir de um mesmo contexto normativo.

A exigência feita pelo § 2º do art. 1.029, que veda o indeferimento do recurso fundamentado na divergência “com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção”, é pertinente e decorre naturalmente do direito jurisprudencial extraível dos arts. 926 e 927. O recorrente tem, justificadamente, o ônus argumentativo de demonstrar a disparidade de soluções jurídicas para casos essencialmente iguais e o indeferimento de sua pretensão deve se basear também no ônus argumentativo oposto, de que não há aquela disparidade, levando em conta o caso concreto, o julgado concreto, o paradigma concretamente eleito para dar fundamento ao recurso e não o que o inciso III do § 1º do art. 489 encarrega-se de repelir, “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”, sem prejuízo, evidentemente, do que deve ser extraído dos incisos V e VI daquele mesmo dispositivo.

Ainda com relação à interposição do recurso, cabe destacar o § 3º do art. 1.029. De acordo com o dispositivo, o STF ou o STJ podem desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua sanação, desde que não o repute “grave”. Trata-se da aplicação, com infeliz e restritiva ressalva (afinal, o que é erro “grave”?), da regra contida no parágrafo único do art. 932 para os recursos em geral.

Não há razão nenhuma, a não ser o texto do dispositivo, que justifique o tratamento diferente. É o caso de considerar como não escrita a referida ressalva, porque restritiva e arredia ao sistema processual relativo à nulidade dos atos processuais.

9.2 Efeito suspensivo

O § 5º do art. 1.029, similarmente ao que o § 3º do art. 1.012 regula para a apelação, trata da competência para concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou recurso especial. Ele será dirigido: (i) ao STF ou ao STJ, no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; (ii) ao relator, se já distribuído o recurso; ou (iii) ao Presidente ou Vice-presidente do Tribunal local, no caso de o recurso ter sido sobrestado, porque repetitivo, nos termos do art. 1.037.

A regra vem para colocar fim a problemas práticos que chegaram perto da insolubilidade e para os quais pouco contribuíram as Súmulas 634 e 635 do STF, totalmente dissociadas da sistemática do CPC de 1973 sobre o tema que, felizmente, não têm mais razão de ser com o CPC de 2015.

À falta de previsão em sentido diverso, os referenciais para a atribuição do efeito suspensivo são os do parágrafo único do art. 995, sendo suficientes as considerações que exponho no n. 3.2, supra, a propósito, destacando a necessidade de interpretação ampliativa daquele dispositivo.

9.3 Demonstração da repercussão geral

O art. 1.035 disciplina como deve ser feita a demonstração da repercussão geral do recurso extraordinário, verdadeiro requisito de admissibilidade específico daquela espécie recursal.

Requisito este que só pode ser examinado privativamente pelo STF, o qual só poderá negar seguimento ao recurso, por esse fundamento, por decisão de dois terços de seus membros, isto é, pelo entendimento de oito Ministros (art. 102, § 3º, da CF).

A repercussão geral, escrevo no n. 9, supra, deve ser compreendida como um plus a atestar, concretamente, a potencialidade de as alegações de violação à CF ultrapassarem os limites subjetivos do processo, passando a interessar, por isso mesmo, a um número indeterminado de pessoas e recomendar (na verdade, a exigir) a manifestação do STF, tomando partido sobre a questão constitucional.

Para o § 1º do art. 1.035, a repercussão geral consiste na existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

Complementando-o, o § 3º do art. 1.035 presume a existência da repercussão geral quando o recurso voltar-se a acórdão que: (i) contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STF (sendo certo que, antes da revisão do texto do CPC de 2015, o dispositivo referia-se a “precedente”); (ii) tiver sido proferido em julgamento de casos repetitivos (o referencial é o do art. 928), e (iii) tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da CF, o que deve ser entendido de maneira ampla, inclusive quando o incidente de arguição de inconstitucionalidade é dispensado (art. 949, parágrafo único). A previsão afina-se aos indexadores jurisprudenciais propostos pelo próprio CPC de 2015, em especial por seu art. 927.

A demonstração de que o recurso extraordinário ostenta repercussão geral é ônus argumentativo do recorrente que dele deve se desincumbir em sua petição recursal, no que é claro o § 2º do art. 1.035, que reitera o comando proveniente do § 3º do art. 102 da CF sobre ser sua apreciação exclusiva (privativa) do STF.

Para a pesquisa sobre determinada questão constitucional ostentar, ou não, repercussão geral, pode o relator, com fundamento no § 4º do art. 1.035, admitir manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, observando o que dispõe o RISTF.

Se o relator do recurso extraordinário reconhecer a repercussão geral, determinará a suspensão dos processos, individuais e coletivos que versem sobre aquela mesma questão em todo o território nacional (art. 1.035, § 5º).

O § 6º do art. 1.035 admite que o interessado requeira, ao Presidente ou ao Vice-Presidente do Tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento recurso extraordinário interposto intempestivamente para inadmiti-lo desde logo. A razão de ser da regra é a de fazer prevalecer, nesses casos, a decisão já transitada em julgado (ao menos formalmente) já que o recurso é intempestivo. O interessado referido pelo dispositivo só pode ser aquele a quem o reconhecimento da intempestividade favorece. Nesse sentido, coincide com o recorrido. O recorrente deverá ser intimado para se manifestar sobre o requerimento no prazo de cinco dias, de acordo com o mesmo dispositivo.

Sendo indeferido o requerimento de exclusão a que se refere o § 6º, o interessado poderá interpor o agravo do art. 1.042, denominado agravo em recurso extraordinário, ao qual me volto no n. 10, infra (art. 1.035, § 7º).

Não há prazo para que o interessado formule o pedido de exclusão do recurso por força de sua intempestividade a qualquer tempo. O melhor entendimento parece ser o de que o prazo para tanto é de cinco dias. Não só por força da incidência do § 3º do art. 218 diante da lacuna legislativa, mas, também por causa da isonomia processual, já que o § 6º do art. 1.035 reserva aquele prazo para o recorrente exercitar o contraditório.

O prezado leitor perguntará, pertinentemente, o que fazer se houver sobrestamento indevido. Nada é dito com relação ao assunto. A melhor resposta, penso, é a de adotar aqui a sistemática dos §§ 8º a 13 do art. 1.037, tal qual a exponho no n. 9.8.4, infra. É certo que nem toda a repercussão geral pressupõe, para que seja atestada a sua existência, “multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito” (eis o referencial dos recursos repetitivos empregado pelo caput do art. 1.036). Também é correto entender que o sobrestamento regrado pelos §§ 5º a 8º do art. 1.035 só se justifica pela ocorrência de casos múltiplos. Fosse um único caso – mesmo que bastante para o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional nele decidida – e o problema de que tratam aqueles dispositivos simplesmente não existiria. Por isso, a incidência do regime de distinção dos §§ 8º a 13 do art. 1.037, inclusive na perspectiva recursal, para cá é imperiosa, até como necessária decorrência do bom funcionamento do direito jurisprudencial querido pelo CPC de 2015.

Pela necessária incidência da sistemática do “julgamento de casos repetitivos” do art. 928, entendo aplicável, à hipótese ora examinada, o § 2º do art. 982, segundo o qual “durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso”. Trata-se, como escrevo no n. 9.6.4 do Capítulo 16, de regra que deriva diretamente do inciso XXXV do art. 5º da CF, sendo suficientes para cá as considerações que lá faço a respeito da regra.

Se a existência da repercussão geral for negada pelo STF, os recursos sobrestados nos termos do § 6º do art. 1.035, que só podem ser os que versem sobre matéria idêntica, terão seu seguimento negado pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente do Tribunal de origem (art. 1.035, § 8º).

Na hipótese oposta, quando a repercussão geral for reconhecida, cabe ao STF julgar o recurso extraordinário no prazo máximo de um ano, tendo preferência sobre os demais processos, com exceção do habeas corpus e dos em que há réu preso (art. 1.035, § 9º). Também mandados de segurança, individuais ou coletivos, deverão ter preferência por força do disposto no art. 20 da Lei 12.016/2009 e, superiormente, dada a sua magnitude constitucional.

Se o julgamento não ocorrer no prazo estabelecido pelo § 9º do art. 1.035, a contar do reconhecimento da existência da repercussão geral, os processos retomarão, em todo território nacional, seu regular andamento, cessados os efeitos da suspensão prevista no § 5º do art. 1.035 (art. 1.035, § 10).

O § 11 do art. 1.035, por fim, impõe a divulgação da ata em que constar a súmula da decisão sobre a repercussão geral pelo Diário Oficial com sua equiparação a acórdão. A divulgação é medida que se afina com o ideal de publicidade do § 5º do art. 927 e deve ser prestigiada. A permissão para que a súmula da repercussão geral corresponda ao acórdão, contudo, parece atritar com as condições exigidas para viabilizar o real conhecimento do que foi efetivamente decidido, por quais fundamentos. Não só na perspectiva de viabilizar um debate adequado sobre as decisões do STF sobre repercussão geral, sobre sua jurisprudência acerca do tema, portanto – o que é bem diferente da cláusula de irrecorribilidade inscrita no caput do art. 1.035 –, mas também para tornar factível a sua aplicação aos casos dispersos em todo território nacional que se relacionam àquela questão constitucional, levando em conta, como não pode deixar de ser, as especificidades do que foi efetivamente decidido.

9.4 Contrarrazões

Interposto o recurso extraordinário ou o recurso especial, o recorrido será intimado para apresentar suas contrarrazões. Terá o prazo de quinze dias para tanto (art. 1.030, caput), findos os quais, os autos serão enviados ao Tribunal Superior, independentemente de prévio juízo de admissibilidade.

A exemplo do que se deu com a apelação (art. 1.010, § 3º) e com o recurso ordinário (art. 1.028, § 3º), o parágrafo único do art. 1.030 suprimiu a competência do Presidente ou do Vice-Presidente do Tribunal de interposição para o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário ou especial interposto, determinando a remessa do recurso diretamente aos Tribunais Superiores, aos quais caberá fazer a admissibilidade recursal.

A novidade, para além daquela harmonização e da celeridade que quer imprimir no processamento daqueles recursos, gerou um importante impacto na configuração do “agravo em recurso especial e extraordinário” do art. 1.042, como demonstro no n. 10, infra.

9.5 Interposição simultânea

Pode acontecer de o acórdão ter fundamentos tanto de ordem constitucional como de ordem legal federal. O art. 1.031 regula expressamente essa hipótese, de interposição simultânea de dois recursos, um extraordinário e um especial, cada um formulado em sua própria petição (art. 1.029, caput).

Nesse caso, os autos físicos serão enviados, em primeiro lugar, ao STJ para julgamento do recurso especial (art. 1.031, caput); tratando-se de autos eletrônicos, a sua disponibilização em primeiro lugar ao STJ atende suficientemente a previsão legislativa. Julgado o recurso especial, os autos serão enviados (disponibilizados) ao STF para apreciação e julgamento do recurso extraordinário, salvo se aquele recurso for considerado prejudicado (art. 1.031, § 1º), o que acontecerá, por exemplo, quando, a despeito da duplicidade de fundamentos, um legal federal e outro constitucional, o objetivo do recorrente for único e for alcançado com o julgamento do recurso especial.

Pode ocorrer, contudo, de o relator sorteado no STJ entender que o recurso extraordinário deve ser julgado em primeiro lugar porque, por exemplo, há alegação de inconstitucionalidade da lei federal que embasa o recurso especial, verdadeira questão prejudicial. Nesse caso, ele determinará a remessa (disponibilização) dos autos ao STF (art. 1.031, § 2º). Se o relator do STF rejeitar aquele entendimento, devolverá (disponibilizará) os autos para o STJ, que julgará o recurso especial (art. 1.031, § 3º).

9.6 Reenvio

Os arts. 1.032 e 1.033 são novidades trazidas pelo CPC de 2015. Diferentemente do que ocorre na hipótese do art. 1.031, eles não tratam de (dois) recursos, extraordinário e especial, interpostos concomitantemente. Há, aqui, apenas, um recurso, especial ou extraordinário e a discussão sobre quem é competente para julgá-lo consoante o enfoque que seja dada à matéria nele versada.

O art. 1.032 cuida da hipótese de o relator, no STJ, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional. Neste caso, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral – exigência específica do recurso extraordinário, por força do § 3º do art. 102 da CF – e se manifeste sobre a questão constitucional.

Após, o relator enviará (disponibilizará) o recurso ao STF, que poderá devolvê-lo ao STJ caso entenda o contrário, isto é, que, em verdade a questão não é constitucional (art. 1.032, parágrafo único). Neste caso, é importante notar, a despeito do silêncio do dispositivo, que aquele óbice deve ser superado pelo STJ e, nesse sentido, o recurso deve ser conhecido e julgado.

A hipótese oposta é regulada pelo art. 1.033: se o relator do recurso extraordinário entender que a hipótese é, em verdade, de questão infraconstitucional “por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado”, deve enviar o recurso para julgamento ao STJ como recurso especial.

Aqui, diferentemente do que se dá no art. 1.032, não há previsão para o STJ recusar sua competência que, em última análise, deriva da própria CF (art. 105, III) e que encontra no STF seu guardião-mor. Tanto quanto na hipótese anterior, portanto, é irrecusável que o STJ deve julgar o recurso. Diferença sensível, contudo, é que, aqui, o STJ ainda não proferiu o juízo de admissibilidade recursal e, em rigor, pode fazê-lo a ponto de não conhecer do recurso desde que não infirme a decisão já proferida pelo STF.

Ambas as regras representam importante novidade trazida pelo CPC de 2015 para combater as dificuldades decorrentes da “inconstitucionalidade reflexa”, que, em termos práticos, acaba gerando verdadeiro vácuo de competência. Ademais, cabe acentuar que ambos os dispositivos, os arts. 1.032 e 1.033, são reflexo inquestionável do modelo de “processo cooperativo” desejado pelo CPC de 2015 desde seu art. 6º.

9.7 Julgamento

A única regra própria codificada sobre o julgamento do recurso extraordinário ou especial é a do art. 1.034.

O caput do dispositivo, ao tratar da abrangência do efeito devolutivo daqueles recursos, traz à lembrança a Súmula 456 do STF, que tem o seguinte enunciado: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

Sempre entendi, a despeito da literalidade do enunciado e, mais do que ele, da própria textualidade do novel art. 1.034, que a questão só pode ser analisada na perspectiva constitucional.

Os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF são limites intransponíveis para o legislador infraconstitucional: o recurso extraordinário e o recurso especial pressupõem causa decidida, razão pela qual entendo que questões não decididas, ainda que de ordem pública, não podem ser julgadas ex novo pelo STF e pelo STJ naquelas sedes recursais.

Não se trata de sustentar a aplicação do princípio da eficiência processual expressamente agasalhado no inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Trata-se, bem diferentemente, de invocar regra de competência estrita, que preserva, como escrevo no n. 9, supra, a competência recursal extraordinária e especial do STF e do STJ e, em última análise, o papel que se espera daqueles Tribunais no modelo constitucional que, nesses casos, não são e não podem se comportar como órgãos de revisão ampla.

Nem mesmo a lembrança do § 3º do art. 485 que, também na sua literalidade, insinua que questões de ordem pública são cognoscíveis “em qualquer tempo e grau de jurisdição enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”. Evidentemente, não nego que o texto da regra permite infirmar o que acabei de criticar. Nego, contudo, que ela possa querer significar o que, na perspectiva do que aqui defendo, é inviável sem agredir o modelo constitucional.

O caput do art. 1.034 e, muito antes dele, a Súmula 456 do STF devem ser compreendidos no sentido de que, conhecido o recurso extraordinário ou especial, o STF ou o STJ julgarão a causa, aplicando a ela o direito constitucional ou legal federal adequado a partir do arcabouço fático definido pelas manifestações jurisdicionais anteriores. Aqueles Tribunais, diferentemente de tribunais de cassação europeus, desempenham não só a função rescisória, mas também rescindente, isto é, não se limitam a cassar ou invalidar o julgado contrário à CF ou à lei federal porque estão habilitados, pelo modelo constitucional, a rejulgar a causa nos limites em que decidida, aplicando, desde logo, ao caso concreto, a solução que entendem ser adequada para a questão constitucional ou para a questão legal federal. Não, prezado leitor, o recurso extraordinário e o recurso especial não têm efeito translativo, sob pena de esbarrar em seu condicionante constitucional, sempre e invariavelmente, a causa decidida.

Tanto mais interessante esses questionamentos quando vem à lembrança que o texto final do CPC de 2015 – fruto da revisão pela qual passou antes de seu envio à sanção presidencial – acabou substituindo a palavra “causa”, que constava do Projeto da Câmara e no texto aprovado pelo Senado em dezembro de 2014, pela palavra “processo”.

Haverá quem, ao ler o dispositivo, tal qual redigido a final, ficará ainda mais confortável para sustentar a incidência do que em geral se extrai da precitada Súmula 456 (julga-se o processo, não apenas a causa decidida) com total desprezo aos limites constitucionais impostos ao STF e ao STJ no exercício de sua competência recursal extraordinária e especial, respectivamente. Se a palavra “processo” for decisiva para albergar tal interpretação é irrecusável a inconstitucionalidade formal de sua substituição naquele instante do processo legislativo.

De sua parte, o parágrafo único do art. 1.034 remonta, para generalizá-las, às Súmulas 292 (“Interposto o recurso extraordinário, por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, n. III, da Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros”) e 528 do STF (“Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo Presidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário, que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento”). Assim, conhecido o recurso extraordinário ou especial por um fundamento, devolvem-se os demais para o julgamento do capítulo impugnado.

Também aqui a interpretação da regra precisa ser cuidadosa para não transbordar dos limites constitucionais da “causa decidida”, expressa nos incisos III dos arts. 102 e 105 da CF. Parece ser esta a explicação que justificou a redução de texto na última etapa do processo legislativo, antes, portanto, da revisão final que antecedeu seu envio à sanção presidencial, retirando do dispositivo a menção à devolução “de todas as questões relevantes para a solução do capítulo impugnado”, preservando, como se lê, apenas os “demais fundamentos” para aquele mesmo fim. Se, até mesmo, no recurso de apelação, em que opera o efeito translativo, o § 1º do art. 1.013 houve por bem restringir a transferência da matéria para a parte (o capítulo) da decisão efetivamente impugnada, o que dizer do recurso especial ou extraordinário, no qual não há – nem pode haver, por causa do modelo constitucional – aquele efeito?

9.8 Recursos extraordinário e especial repetitivos

Como anunciei no início do número anterior, a Subseção II da Seção II do Capítulo VI do Título II do Livro III da Parte Especial disciplina o julgamento dos recursos extraordinários e dos recursos especiais repetitivos, estendendo-se do art. 1.036 ao art. 1.041.

Destaco de plano que, no CPC de 2015, não só o recurso especial, mas também o recurso extraordinário passa a receber disciplina de recurso repetitivo. É inegável, assim, o avanço do CPC de 2015 em relação à disciplina do art. 543-B do CPC de 1973, que, em rigor, não admitia o processamento e o julgamento de recursos extraordinários repetitivos, mas, menos que isso, apenas a discussão sobre recursos extraordinários múltiplos apresentarem, ou não, repercussão geral. É, nesse sentido, da mesma disciplina que ocupa o art. 1.035, como os seus §§ 5º a 10 deixam entrever.

Ademais, é inegável que o art. 543-C do CPC de 1973 limitava-se à disciplina dos recursos especiais repetitivos, não obstante a prática do STF ter consagrado também o processamento dos extraordinários como repetitivos.

De qualquer sorte, o CPC de 2015 coloca fim a quaisquer discussões que, no âmbito do CPC de 1973, poderiam ser desenvolvidas a partir da constatação que acabei de fazer, como a leitura do caput do art. 1.036 evidencia, ao se referir à existência de “multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito”. O mesmo dispositivo, outrossim, autoriza que os regimentos internos dos Tribunais Superiores disciplinem o instituto, respeitados (sempre) os ditames constitucionais e legais.

Assim, havendo a referida multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito – a mesma tese de direito constitucional ou de direito legal federal a incidir sobre casos concretos iguais na essência –, é cabível que alguns recursos sejam selecionados e decididos pelo STF ou pelo STJ, com o sobrestamento de todos os demais, na expectativa de que a solução dada nos casos julgados por aqueles Tribunais seja aplicada e observada por todos os demais órgãos jurisdicionais. É esse, em suma, o objetivo da disciplina que ocupa, com detalhes, os arts. 1.036 a 1.041, que, nessa perspectiva, quer concretizar a diretriz do inciso III do art. 927.

9.8.1 Identificação da ocorrência de recursos múltiplos e sua seleção

Para tanto, põe-se, em primeiro lugar, a tarefa de verificar se há a multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais sobre a mesma questão de direito e, em seguida, os critérios de seleção dos casos a serem enviados para o processo conjunto.

O § 1º do art. 1.036 regula a hipótese de a multiplicidade de recursos ser verificada no âmbito dos TJs ou dos TRFs. Nesse caso, o Presidente ou o Vice-Presidente daqueles Tribunais – é o regimento interno quem define a competência – selecionará, ao menos, dois recursos extraordinários ou especiais “representativos da controvérsia” para envio aos Tribunais Superiores.

A iniciativa quer viabilizar, perante o STF ou o STJ, o proferimento de decisão que reconhece o status de recursos repetitivos a partir dos selecionados, afetando-os, segundo decisão cuja disciplina está no art. 1.037.

A escolha feita pelos Presidentes dos TJs ou dos TRFs, contudo, não vincula o relator do STF ou do STJ, que poderá escolher outros, desde que também sejam representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º). Tanto assim que também cabe aos Ministros do STF e do STJ, com fundamento no § 5º do art. 1.036, tomarem a iniciativa de selecionar dois ou mais recursos representativos da controvérsia para submissão de seu julgamento à disciplina dos repetitivos.

O § 6º do art. 1.036 esclarece o que deve ser compreendido como “recurso representativo da controvérsia”. Trata-se de recurso que, versando sobre a idêntica questão jurídica que se repete, “contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”. Essa exigência é fundamental para a boa aplicação da disciplina dos representativos, porque é a partir da diversidade e profundidade da sustentação da questão jurídica e, correlatamente, das teses jurídicas por ela representada, a favor e contra, que os julgamentos do STF e do STJ assumirão verdadeiro padrão paradigmático. Só assim é que eles terão aptidão de produzir o que, para o CPC de 2015, pode ser chamado de “precedente”.

9.8.2 Suspensão dos processos determinada pelo TJ ou TRF

O Presidente ou Vice-Presidente dos TJs ou TRFs determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, em trâmite no Estado ou na Região, respectivamente, quando tomar a iniciativa de identificar e selecionar recursos múltiplos para julgamento como repetitivos perante o STF ou STJ, como lhe determina o mesmo § 1º do art. 1.036. Tal suspensão, de acordo com o § 1º do art. 1.037, fica na dependência de o STF ou de o STJ proferir decisão de afetação, nos termos do caput do art. 1.037, isto é, reconhecer que há multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais que devem ser submetidos ao regime de julgamento repetitivo.

O § 2º do art. 1.036, referindo-se à suspensão determinada no âmbito dos TJs ou dos TRFs, e similarmente ao disposto no § 6º do art. 1035, autoriza o interessado (o recorrido) a requerer, perante aqueles magistrados, a exclusão de recurso extraordinário ou especial intempestivo da decisão de sobrestamento.

Aqui também o mesmo dispositivo estabelece o prazo de cinco dias para que o recorrente manifeste-se sobre o requerimento. Sem novidades, a decisão que indeferir o pedido de exclusão, sujeita-se ao agravo em recurso especial ou extraordinário (art. 1.042, I), tudo em consonância com o § 3º do art. 1.036. Por força do mesmo raciocínio que exponho no n. 9.3, supra, a propósito do § 6º do art. 1.035, o interessado deve formular seu pedido de exclusão pela intempestividade no prazo de cinco dias, contado da decisão que determina o sobrestamento dos processos.

9.8.3 Decisão de afetação

O art. 1.037 trata das providências a serem tomadas pelo relator no STF ou no STJ quando reconhecer estarem presentes os pressupostos no caput do art. 1.036, isto é, quando constatar a existência de “multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito”.

Selecionados os recursos que serão concretamente julgados, o relator proferirá o que o art. 1.037 chama de “decisão de afetação”, na qual: (i) identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento (art. 1.037, I), sendo vedado o julgamento fora desses limites (art. 1.037, § 2º), possibilitanto, contudo, a identificação de outras questões para julgamentos futuros a partir dos processos enviados aos Tribunais Superiores (art. 1.037, § 7º); (ii) determinará a suspensão dos processos pendentes, individuais e coletivos, que versem sobre aquela mesma questão em todo o território nacional (art. 1.037, II); e, por fim, (iii) poderá requisitar aos Presidentes ou aos Vice-Presidentes dos TJs ou TRFs a remessa de um recurso representativo da controvérsia (art. 1.037, III).

A possibilidade dessa requisição, tal qual prevista no inciso III do art. 1.037, é fruto da revisão a que foi submetido o texto do CPC de 2015 antes do envio à sanção presidencial. O texto aprovado no Senado Federal, na sessão deliberativa de 17 de dezembro de 2014, era diverso, impondo aquela requisição (v. art. 1.034, III, do Anexo ao Parecer n. 956/2014 do Senado, idêntico ao art. 1.050, III, do Projeto da Câmara), empregando o verbo requisitar no imperativo afirmativo (requisitará). Não há como deixar de interpretar a regra desta forma, a única capaz para transpor sua inconstitucionalidade formal no sentido de ser obrigatório ao relator do Tribunal Superior, em sua decisão de afetação, determinar a remessa de ao menos um recurso representativo da controvérsia a todo TJ e a todo TRF, que o enviará a não ser que, por qualquer razão, aquela questão não tenha, no Estado ou na Região respectiva, nenhum processo. A iniciativa, tal qual votada, quer pluralizar o debate jurídico que antecede a fixação da tese nos casos dos recursos repetitivos, indo ao encontro, ademais, com a iniciativa reconhecida àqueles Tribunais pelo § 1º do art. 1.036. A redação final, ao sugerir que se trata de mera faculdade do relator do Tribunal Superior vai em direção oposta e, por isso, atrita com os limites existentes naquele instante do processo legislativo (art. 65 da CF).

Caso não haja afetação, como escrevo no n. 9.8.2, supra, com base no § 1º do art. 1.037, o relator do recurso repetitivo no âmbito do STF ou do STJ comunicará o fato aos Presidentes ou aos Vice-Presidentes dos Tribunais de segunda instância para revogação da decisão de suspensão prevista no § 1º do art. 1.036.

Se houver mais de uma afetação, isto é, mais de uma decisão proferida para os fins do art. 1.037, estará prevento o relator que, em primeiro lugar, proferiu a decisão respectiva (art. 1.037, § 3º).

Uma vez afetado, o recurso deverá ser julgado no prazo de um ano, consoante estabelece o § 4º do art. 1.037, excepcionados os habeas corpus e casos em que há réu preso, rol ao qual insisto no acréscimo do mandado de segurança, individual ou coletivo, pela sua magnitude constitucional.

Após aquele prazo – contado da publicação de afetação –, cessa o sobrestamento dos processos (art. 1.037, § 5º), sem prejuízo de outro relator do mesmo Tribunal Superior afetar dois ou mais novos recursos representativos da controvérsia (art. 1.037, § 6º).

9.8.4 Suspensão dos processos determinada pelos Tribunais Superiores

Os §§ 8º a 13 do art. 1.037 disciplinam as consequências do sobrestamento dos processos a partir da suspensão prevista no inciso II do art. 1.037.

As partes, de acordo com o § 8º do art. 1.037, devem ser intimadas do sobrestamento determinado pela decisão de afetação, a ser proferida no seu próprio processo, pelo juiz ou pelo relator, consoante o estágio em que o processo encontrava-se quando da sua suspensão. “E quem é essa parte?”, perguntará o prezado leitor. A melhor resposta é no sentido de que se trata da parte a quem o prosseguimento do processo interessa.

A parte poderá requerer o prosseguimento do processo arguindo que a questão nele decidida não está abrangida pela decisão de afetação, isto é, que não trata da mesma questão que será julgada pelo STF ou pelo STJ (art. 1.037, § 9º). Pelas mesmas razões que exponho a propósito do § 6º do art. 1.035 e do § 2º do art. 1.036 nos ns. 9.3 e 9.8.2, supra, é correto entender que a parte dispõe do prazo de cinco dias para tanto.

O requerimento será dirigido à autoridade judicial consoante o processo esteja na primeira instância, no TJ ou no TRF, antes ou depois da interposição do recurso especial ou extraordinário ou, ainda, se o processo já estiver no Tribunal Superior (art. 1.037, § 10), estabelecendo-se contraditório com a parte contrária em cinco dias (art. 1.037, § 11).

Acolhido o pedido, isto é, reconhecida a distinção, como se lê no § 12 do art. 1.037, o processo voltará a tramitar normalmente e, em se tratando de recurso extraordinário ou especial sobrestado indevidamente, ele deverá ser enviado ao STF ou ao STJ independentemente do juízo de admissibilidade.

A decisão que resolve o requerimento formulado com base no § 9º do art. 1.037, seja acolhendo-o ou rejeitando-o, é recorrível. Se se tratar de decisão proferida pelo juízo de primeira instância, dela caberá agravo de instrumento (art. 1.037, § 13, I); se a decisão for proferida no âmbito dos Tribunais, o recurso será o de agravo interno (art. 1.037, § 13, II).

Entendo irrecusável a aplicação do § 2º do art. 982 durante a suspensão dos processos, ainda que textualmente a previsão nele contida, de ser competente o órgão jurisdicional no qual tramita o processo sobrestado para apreciação de eventual pedido de tutela de urgência, limite-se ao incidente de resolução de demandas repetitivas. Trata-se de decorrência da sistemática criada pelo art. 928 (afinal, tanto aquele incidente como os recursos repetitivos são e devem ser tratados como “julgamento de casos repetitivos”) e, superiormente, do próprio inciso XXXV do art. 5º da CF.

Uma derradeira observação merece ser feita: deve ser dada ampla publicidade à decisão de afetação disciplinada pelo art. 1.037, observando-se as diretrizes que o art. 979 e seus §§ 1º e 2º estabelecem para o incidente de resolução de demandas repetitivas. Trata-se de determinação expressa, embora fora de lugar, do § 3º daquele mesmo dispositivo e que está em plena harmonia com o que o dispõe, mais genericamente, o § 5º do art. 927.

9.8.4.1 Suspensão no caso do incidente de resolução de demanda repetitiva

O § 4º do art. 1.029 ocupa-se com a hipótese de o Presidente do STF ou do STJ receber requerimento de suspensão dos processos em todo o território nacional durante a tramitação do incidente de resolução de demandas repetitivas. Neste caso, diante de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a suspensão pode ser estendida a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto.

Trata-se de regra que merece ser lida ao lado do § 3º do art. 982 para evidenciar que a suspensão eventual concedida atrela-se, necessariamente, ao recurso extraordinário ou especial a ser interposto com fundamento no art. 987, como dispõe, aliás, o § 5º do próprio art. 982. De qualquer sorte, como escrevo no n. 9.8 do Capítulo 16 acerca do art. 982, a regra merece ser interpretada com temperamentos, embora localizada fora de lugar.

Outro ponto que merece destaque sobre o § 4º do art. 1.029 é o de que a suspensão dos processos pode dar-se não só em função de “razões de segurança jurídica” (como exige o § 3º do art. 982), mas também e alternativamente por causa de “excepcional interesse social”. A vagueza de ambas as expressões, máxime a segunda só aqui referida, recomenda redobrada cautela na análise do pedido. O requerimento não pode ser tratado como mais um caso do esdrúxulo (inconstitucional e desnecessário, ao menos do ponto de vista jurídico) “pedido de suspensão” e da não menos esdrúxula (e inconstitucional) tese de sua “ultra-atividade”.

9.8.5 Preparação para julgamento

O caput e os §§ 1º a 2º do art. 1.038 têm como objetivo fomentar o prévio debate sobre a tese a ser julgada no recurso afetado como repetitivo.

O inciso I do art. 1.038 permite ampla participação de terceiros intervenientes na qualidade de amici curiae. São aqueles intervenientes que farão as vezes das “pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria”, observando, desde que não haja restrição à sua ampla participação, fundamentada genericamente no art. 138, o que dispuser o RISTF e do RISTJ.

O inciso II do art. 1.038 prevê a possibilidade de oitiva de depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria em audiências públicas. A iniciativa não se sobrepõe à oitiva do amicus curiae, porque ela cria espaço adequado e racional para que sejam travadas as discussões sobre a tese que, a partir da questão de direito repetitiva, se pretende fixar. A prática já é comum nos Tribunais Superiores, com enorme frequência no STF.

Os próprios tribunais de segunda instância poderão ser instados a prestar informações e o Ministério Público será ouvido como fiscal da ordem jurídica (art. 1.038, III). Os prazos, para tanto, são de quinze dias e, de preferência, as manifestações serão eletrônicas (art. 1.038, § 1º).

Nada há que impeça, não obstante o silêncio das regras que acabei de destacar, que os próprios recorrentes, individualmente considerados, queiram se manifestar para os fins do art. 1.038. Sua intervenção, contudo, não os torna amicus curiae. Serão, sempre e invariavelmente, partes, interessadíssimas no desfecho da questão, e é nessa qualidade, e nenhuma outra, que poderão pretender ser manifestar.

Colhidas as informações, o processo será incluído em pauta, devendo ser julgado com preferência, com as ressalvas do § 2º do art. 1.038, às quais merece ser incluído também o mandado de segurança, não só por causa da previsão do art. 20 da sua lei de regência, Lei n. 12.016/2009, mas também pela sua magnitude constitucional.

O § 3º do art. 1.038 harmoniza-se com o que o § 2º do art. 984 exige para o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. Assim, o “conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários”. Trata-se de exigência essencial para a construção de um verdadeiro direito jurisprudencial brasileiro, coerente, por isso mesmo, ao que dispõe o § 1º do art. 927 que, por sua vez, conduz ao inciso IV do § 1º do art. 489.

9.8.6 Julgamento e consequências

O art. 1.039 inicia a regulamentação das consequências do julgamento do recurso representativo da controvérsia, isto é, do recurso repetitivo ou afetado, que é completada pelos arts. 1.040 e 1.041.

9.8.6.1 No STF e no STJ

O dispositivo ocupa-se com os recursos que foram sobrestados e que estão no âmbito dos próprios Tribunais Superiores. Para eles, decidido o repetitivo, os recursos que estavam sobrestados por tratarem da mesma controvérsia serão considerados prejudicados ou decididos com aplicação da tese fixada.

O prezado leitor perceberá que o caput do art. 1.039 faz expressa referência a “órgãos colegiados”. São eles, portanto, que julgarão aqueles recursos de acordo com a diretriz imposta pelo dispositivo, excepcionando, destarte, para estes casos, a atuação monocrática com fundamento nas alíneas b dos incisos IV e V do art. 932. Chegando novos recursos ao STF ou ao STJ – o que, com base no caput do art. 1.041, tem tudo para ocorrer –, o proferimento de decisões monocráticas com base naquelas regras estará autorizada.

O parágrafo único do art. 1.039 dispõe que os recursos extraordinários sobrestados serão considerados automaticamente inadmitidos quando não for reconhecida a repercussão geral no recurso extraordinário afetado. Também aqui, é correto entender que a regra dirige-se exclusivamente ao STF.

9.8.6.2 Nos TJs, nos TRFs e na primeira instância

O art. 1.040 é vocacionado para regrar os efeitos que o CPC de 2015 quer que o julgamento do repetitivo pelo STF ou pelo STJ surta sobre os processos até então suspensos nos TJs, TRFs e também na primeira instância.

Não tenho a menor dúvida de que, na perspectiva do CPC de 2015, o que se espera é que a decisão do recurso afetado seja necessariamente observada pelos demais órgãos jurisdicionais, no que é claro, aliás, o inciso III do art. 927.

É ler os incisos do art. 1.040, segundo os quais, após a publicação do acórdão paradigma, isto é, do acórdão do recurso afetado: (i) o Presidente ou o Vice-Presidente do TJ ou do TRF negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Tribunal Superior; (ii) o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do Tribunal Superior; e, por fim, (iii) os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo Tribunal Superior.

Os verbos e a oração que fiz questão de colocar em itálico não foram conjugados no imperativo pelos próprios incisos, apresso-me a esclarecer, por razão outra que não para impor o resultado alcançado pelos Tribunais Superiores a partir do caso julgado como paradigmático, a partir da decisão de afetação a todos os demais Tribunais, inclusive aos juízos de primeira instância.

Sobre o caráter vinculante, embora não expresso nem escrito, mas inequivocamente pretendido pelo CPC de 2015 em dispositivos como o art. 1.040, são bastantes as considerações que faço a propósito dos arts. 926 e 927 no n. 2 do Capítulo 16.

Para cá, prezado leitor, quero acentuar que a redação dada aos incisos I e II do art. 1.040 busca contornar crítica que, para a sistemática do CPC de 1973, fazia com veemência no volume 5 do meu Curso sistematizado de direito processual civil, quanto a haver, no sistema anterior, verdadeira hipótese de delegação legal de competência para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais julgassem os recursos extaordinários e os recursos especiais sobrestados em consonância com a decisão proferida no âmbito do STF ou do STJ. A previsão, feita por lei (art. 543-C, § 7º, II, do CPC de 1973), atritava a olhos vistos com a competência constitucional reconhecida (e taxativamente) ao STF e ao STJ de eles, não outros Tribunais ou órgãos jurisdicionais, julgarem recursos extraordinários e especiais (arts. 102, III, e 105, III, da CF, respectivamente).

O que fizeram os incisos I e II do art. 1.040 para contornar o problema? Evitaram estabelecer o julgamento dos próprios recursos especial e extraordinário pelo TJ ou pelo TRF. Em vez disso, o inciso I limitou-se a prever que o Presidente ou o Vice-Presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Tribunal Superior. No inciso II está previsto que o órgão prolator do acórdão recorrido reexaminará, não o próprio recurso especial ou o extraordinário sobrestado, mas “o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado”, se ele contrariar a orientação do Tribunal Superior. Ocorre que a hipótese do inciso I do art. 1.040 é julgamento de mérito, no sentido de improver o recurso extraordinário ou especial sobrestado, isto é, negar provimento àquele recurso. O “negar seguimento” autorizado pelo dispositivo, portanto, continua a ser caso de delegação legal de competência constitucionalmente fixada. Apesar da redação diferente, dada pelo CPC de 2015 à hipótese, a crítica que acima destaquei permanece hígida. Para negar seguimento no sentido correto da expressão, querendo com ela descrever que o recurso está “prejudicado” porque o acórdão recorrido já coincide com a decisão paradigmática proferida pelo STF ou pelo STJ, precisaria haver o que não há no modelo constitucional do direito processual civil, a saber, “súmulas” ou “precedentes” ou “jurisprudência” impeditivos de recurso. Uma tal figura, contudo, não existe no plano constitucional, sendo descabido que a lei a crie ou algo que lhe faça as vezes.

No caso do inciso II do art. 1.040, o que ocorre é de ordem diversa. O dispositivo, para fugir à  indevida delegação de competência, acabou por criar uma nova figura recursal que causa verdadeiro retrocesso processual no sentido de permitir que o processo volte um ou dois estágios.

É que, a depender do julgamento do STF e do STJ, o recurso extraordinário ou o recurso especial sobrestado tem o condão de viabilizar um novo julgamento do que já foi julgado por aqueles Tribunais.

O julgamento dos processos de competência originária dos TJs e dos TRFs, da remessa necessária e dos recursos em geral, passa a ser realizado com condição, qual seja a de haver afetação de recurso repetitivo e de haver interposição de recurso extraordinário ou especial que venha, por causa da afetação, a ser sobrestado. Se o que for decidido no âmbito do STF ou do STJ contrariar o julgamento anterior do TJ ou do TRF, cabe a eles o rejulgamento na perspectiva, é o que o CPC de 2015 realmente quer, de que voltem atrás em seu posicionamento.

Friso o ponto: o julgamento, já encerrado (tanto que objeto de recurso extraordinário ou especial), será retomado “se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior”. Trata-se de hipótese que merece reflexão mais detida, inclusive na perspectiva da (in)eficiência processual (art. 5º, LXXVIII, da CF), e que devia estar prevista ao lado das demais hipóteses do art. 494, como um novo e até então inédito caso não alcançado pelo princípio da invariabilidade das decisões jurisdicionais.

Para ambas as previsões (art. 1.040, I e II), entendo que o mais adequado seria refletir sobre se não seria mais adequado do ponto de vista normativo, sempre pensado desde o “modelo constitucional” – e há como pensar o direito processual civil fora dele? –, alterar os incisos III dos arts. 102 e 105 da CF e permitir, com isso, que os TJs e os TRFs cooperem assumida e legitimamente com o trato dos recursos repetitivos. Sem prévia alteração constitucional, contudo – e sempre com o devido respeito do entendimento contrário –, não consigo reconhecer juridicidade a essas verdadeiras manobras legislativas.

De acordo com o inciso III do art. 1.040, os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição – antes do julgamento, portanto, porque, caso contrário, estariam sujeitos às hipóteses dos incisos I ou II – retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo Tribunal Superior. A minha crítica com relação ao dispositivo coincide com as observações sobre o caráter vinculante pretendido pelo CPC de 2015 aos julgamentos dos “casos repetitivos”. Por isso, também aqui, entendo suficiente o que escrevo a propósito dos arts. 926 e 927 no n. 2 do Capítulo 16.

Na revisão a que o texto do CPC de 2015 foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial, a regra que se encontrava como um dos parágrafos do que fazia as vezes de seu art. 1.038 (art. 1.051, § 6º, do Projeto da Câmara e art. 1.035, § 6º, do Anexo ao Parecer n. 956/2014, que foi o texto submetido à aprovação do Senado Federal em dezembro de 2014) acabou sendo realocada como inciso IV do art. 1.040. Trata-se de importante dispositivo que encontra seu par no § 2º do art. 985, a propósito do incidente de resolução de demandas repetitivas, e que impõe a comunicação do resultado do julgamento do repetitivo ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação da tese adotada quando o recurso envolver questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado.

Bem entendida, é possível extrair da regra condições ótimas de fortalecer, devidamente, o papel do Estado regulador e de suas agências reguladoras no controle de condutas no âmbito administrativo, minimizando, com isso, a necessidade de ingresso no Judiciário. É algo que, na perspectiva dos §§ 2º e 3º do art. 3º, é amplamente desejável e absolutamente harmônico com o modelo constitucional.

O art. 1.040 traz, ainda, três parágrafos, que foram acoplados a ele apenas na redação final a que o texto do CPC de 2015 foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial. Eles indicam consequências a partir do julgamento do recurso afetado pelo STF ou pelo STJ, pressupondo que as partes não tenham se voltado à suspensão do processo nos moldes dos §§ 8º a 13 do art. 1.037 ou, ao menos, após o indeferimento do pedido, inclusive no âmbito recursal. Nesse sentido, parece-me correto afirmar que acabam disciplinando uma das variadas hipóteses do que pode ocorrer a partir do que prevê o inciso III do art. 1.040.

O § 1º do art. 1.040 assegura expressamente a possibilidade de o autor desistir da ação, isto é, manifestar sua vontade no sentido de deixar de pretender que o Estado-juiz tutele o direito que afirma ter em face do réu, antes do proferimento da sentença, se a questão que dá fundamento ao seu pedido de tutela jurisdicional for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia.

Se a desistência ocorrer antes de ofertada a contestação – o que, em regra, pressupõe audiência de conciliação ou de mediação frustrada, inclusive pela ausência de autocomposição –, o autor ficará isento do pagamento de custas e sucumbência (art. 1.040, § 2º). Trata-se de verdadeiro incentivo para não litigar, aceitando a decisão paradigmática (o “precedente”) emanada do STF ou STJ, o que é bem diverso de pretender que ela tenha caráter vinculante, impondo-a.

O § 3º do art. 1.040, em nítida sintonia com esse mesmo objetivo, excepciona a regra do § 4º do art. 485 e exclui a necessidade de prévia concordância do réu com a desistência, mesmo quando a contestação já tiver sido ofertada. É regra também que quer incentivar a observância do julgamento do recurso afetado, respeitando-o como verdadeiro precedente. Não à força e, por isso, legítima e digna de elogios, até porque harmônica ao que estatuem os §§ 2º e 3º do art. 3º.

9.8.7 Manutenção do acórdão recorrido

O caput do art. 1.041 ocupa-se com a hipótese oposta das previstas pelos incisos I e II do art. 1.040, qual seja a de manutenção do acórdão divergente pelo tribunal de origem, isto é, quando não ocorrer o que aquelas regras querem que aconteça. Nesse caso, o recurso extraordinário ou o especial será enviado ao STF ou ao STJ, consoante o caso, “na forma do art. 1.036, § 1º”.

A remissão feita pelo caput do art. 1.041 parece estar equivocada porque aquele dispositivo cuida de hipótese totalmente diversa, ainda preparatória do proferimento da “decisão de afetação” do caput do art. 1.037, incompatível, portanto, com o momento regrado pelo dispositivo. Melhor, por isso, pensar que a hipótese seja regrada pelo § 1º do art. 1.030 no sentido de os recursos serem enviados aos Tribunais Superiores “independentemente de juízo de admissibilidade”.

9.8.8 Julgamento de outras questões perante o tribunal de origem

Os dois parágrafos do art. 1.041, diferentemente do caput, regulam variantes à hipótese de ter havido “juízo de retratação”, isto é, de o tribunal de origem, sempre entendido como tal os TJs ou os TRFs, ter alinhado seu acórdão ao que decidido pelo STF ou pelo STJ.

De acordo com o § 1º, realizado o juízo de retratação, compete ao tribunal de origem decidir as demais questões ainda não decididas, cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração de entendimento. É dispositivo que só robustece a crítica que lanço no n. 9.8.6.2, supra, porque permite que o TJ ou o TRF reabra o segmento recursal já encerrado a partir do que o STF ou o STJ decidir. Trata-se, tanto quanto o que já escrevi, de verdadeiro retrocesso. E mais: não há como impedir que desse novo julgamento, que não infirma nem quer infirmar o que STF ou STJ já decidiu, caibam novos recursos, extraordinário ou especial, consoante o caso, para contrastar aquilo que traz de novidade.

O § 2º do art. 1.041, tratando (e expressamente) da situação do inciso II do art. 1.040, regula a hipótese de o recurso – que só pode ser o especial ou o extraordinário sobrestado – versar sobre outras questões além daquelas julgadas pelo STF ou STJ e que gerou o juízo de retratação pelo “órgão de origem”, isto é, pela Câmara ou Turma que julgou (e rejulgou) o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado. Nesse caso, o Presidente (ou o Vice-Presidente, sempre a depender da previsão de cada regimento interno) do tribunal determinará a remessa do recurso ao STF ou ao STJ para seu julgamento, independentemente de ratificação, e, embora a ressalva fosse desnecessária diante do parágrafo único do art. 1.030, independentemente de juízo de admissibilidade.

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Bons estudos a todos e sucesso!

ANDRÉ DA SILVA CARDOSO
Acadêmico de Direito – Faculdade Gamaliel

6º Período


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