quinta-feira, 31 de março de 2016

INCISO PRIMEIRO OU INCISO UM? COMO SE LÊ UMA LEI...





Numa típica aula de direito penal, um colega de classe lia um dispositivo no Código, e foi corrigido pelo professor da turma. O motivo: o prezado colega lia os incisos em numeração ordinal (inciso primeiro, inciso terceiro, etc.); e, segundo o professor, essa leitura é equivocada devendo ser utilizada a numeração cardinal (inciso um, dois, três, etc.).

Tudo bem até aí, mas a dúvida continuou, pois noutra aula, com outro professor, soubemos que a leitura devia se dar usando os ordinais até o nono, e depois os cardinais. Este último professor disse que desde que se entende por gente, que se leem assim, os incisos (nos moldes da leitura dos artigos).

Como se vê, há uma controvérsia, e como não me agradei da solução, ou ainda, da falta de argumentos de ambos os professores, decidi pesquisar, e divulgo agora o que descobri.

Primeiramente, informo que não estamos totalmente no escuro, pois há legislação complementar que orienta da elaboração e leitura das leis. Trata-se da Lei Complementar n. 95/1998, que em seu art. 10 traz a seguinte redação:

Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:
I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
[...]
III - os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico "§", seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando existente apenas um, a expressão "parágrafo único" por extenso;
IV - os incisos serão representados por algarismos romanos, as alíneas por letras minúsculas e os itens por algarismos arábicos; (grifo nosso)

Notemos que o legislador explicou de maneira didática e objetiva a maneira correta de ler os artigos e parágrafos; porém, se omitiu no caso da leitura dos incisos. Será que, mesmo o legislador não teve a ousadia, ou a certeza da maneira correta da leitura? Ou, pensou ele que de tão óbvio seria a leitura em cardinal (aplicação de hermenêutica jurídica), que não precisaria entrar nessa seara?

Os colegas de curso, devem convir que estamos falando do legislador brasileiro. Legislador que escreve “futil" sem acento gráfico (vide qualificadoras do art. 121 do CP), e que não devemos confiar que este tem inteiro conhecimento da técnica jurídica.  Assim, tentemos uma discussão lógica e coerente, sem cogitar do pensamento do legislador.

Com efeito, considerando que há omissão da lei, concluímos que a leitura pode se dar das duas maneiras, sem prejuízo da inteligência do leitor. Isto é, não há óbice para se ler “inciso um” ou “inciso primeiro”. Contudo, prefere-se que o uso dos ordinais seja até o inciso nono, caso escolha por essa forma de leitura.

Em posição diversa dessa, e aceitando-se apenas a leitura dos incisos em cardinais, é a lição de Maria Tereza de Queiroz Piacentini, em artigo no site Âmbito Jurídico,

No caso de título, seção e inciso, que são escritos em algarismos romanos, e de capítulo - seja em algarismo romano ou arábico, como numa tese ou livro -, quando o numeral vem depois do substantivo faz-se a leitura em cardinal, como se houvesse a palavra ‘número’ entre eles: Título [nº] I (um), Seção VIII (oito), inciso XII (doze), inciso III (três), Cap. IX (nove), capítulo [nº] 20 (vinte).

Não obstante, permissa venia, entendo que é de melhor técnica utilizar a leitura dos incisos em cardinais; na esteira da leitura dos algarismos romanos que numeram os títulos, capítulos, etc.

E ainda, devemos pensar que, não “erra” (falo perante uma futura banca de doutos avaliadores) quem lê ou cita os incisos em numeração cardinal. Porém, pode alguém deparar-se com a situação de um dos doutos avaliadores, entender que é “errado” a utilização dos ordinais nos incisos, o que consequentemente trará prejuízo na avaliação.

Diante disso, cada qual deve escolher a melhor forma de leitura, sem perder de vista essas situações, inclusive para num futuro saber justificar posições exacerbadamente críticas, como tivemos como o professor de Penal, ou ainda, algum outro douto avaliador.

Em qualquer caso, este artigo, tenho certeza que já tem municiado os leitores dessa situação, e assim ter argumentos diante da retórica de alguns juristas.

Referências:

BRASIL, República Federativa do. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp95.htm >>. Acesso em: 31.03.2016

PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz. Artigo oito, artigo vinte. Disponível em: << http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=visualiza_dica&id_noticia=5786 >>. Acesso em: 31.03.2016

8 comentários:

  1. Caro,Cardoso!

    Fico grato por encontrar um texto tão objetivo e claro como este, que sem dúvida é motivo de "n" indagações não só entre a óbvia turma dos graduandos em direito, como aos demais operadores do direito. Eu mesmo tinha muitas dúvidas, pois como "voluntário compulsório" da leitura de artigos em classe de aula, já sofri reprimenda de um ou outro professor por ler os incisos das duas formas.
    É questão não pacificada ainda, rs...

    ResponderExcluir
  2. Obrigado pelo artigo. Muito esclarecedor, apesar de não ser. Eu, particularmente, gostaria de ler como se fossem algarismos cardinais, mas, pesquisando, encontrei a regra geral:

    Os algarismos arábicos de um a dez, desde que pospostos a substantivos (na indicação de séculos, capítulos de obras ou títulos honoríficos), devem ser seguidos do sinal de ordinal. Escrevemos, portanto, século 2º (segundo) ou século 6º (sexto), capítulo 3º (terceiro) ou dom Pedro 1° (primeiro), o que favorece a correta leitura desses numerais.

    De 11 em diante, os numerais são cardinais, portanto lemos papa Pio onze (e escrevemos papa Pio 11 ou Pio XI). Numa frase como "O papa Bento 16 (ou Bento XVI) substituiu o papa João Paulo 2º (ou João Paulo II)", lemos Bento dezesseis e João Paulo segundo.


    Isso deixa mais intrigante, pois vai até o décimo, e se fôssemos seguir a linha dos parágrafos, iríamos até o nono. Acho que o legislador comeu bola nessas nomenclaturas, se é que foi ele.

    ResponderExcluir
  3. Obrigado por tirar minha dúvida sobre o determinado assunto.

    ResponderExcluir
  4. Obrigado por tirar minhas dúvidas sobre o determinado assunto.

    ResponderExcluir
  5. Obrigado por ter-me deixado com a mesma dúvida anterior à leitura.

    ResponderExcluir
  6. Texto excelente e muito esclarecedor! nota 1000.

    ResponderExcluir
  7. Vou apresentar meu TCC para à banca amanhã, e estava justamente com esse dúvida e receio de errar na frente de todos. Foi bem esclarecedor! Obrigada!

    ResponderExcluir
  8. Obrigada pelo o esclarecimento! Tinha muito dúvida sobre este assunto!

    ResponderExcluir