Numa
típica aula de direito penal, um colega de classe lia um dispositivo no Código,
e foi corrigido pelo professor da turma. O motivo: o prezado colega lia os
incisos em numeração ordinal (inciso primeiro, inciso terceiro, etc.); e,
segundo o professor, essa leitura é equivocada devendo ser utilizada a
numeração cardinal (inciso um, dois, três, etc.).
Tudo
bem até aí, mas a dúvida continuou, pois noutra aula, com outro professor,
soubemos que a leitura devia se dar usando os ordinais até o nono, e depois os
cardinais. Este último professor disse que desde que se entende por gente, que
se leem assim, os incisos (nos moldes da leitura dos artigos).
Como
se vê, há uma controvérsia, e como não me agradei da solução, ou ainda, da
falta de argumentos de ambos os professores, decidi pesquisar, e divulgo agora
o que descobri.
Primeiramente,
informo que não estamos totalmente no escuro, pois há legislação complementar
que orienta da elaboração e leitura das leis. Trata-se da Lei Complementar n.
95/1998, que em seu art. 10 traz a seguinte redação:
Art. 10. Os textos legais serão articulados com
observância dos seguintes princípios:
I - a unidade básica de articulação será o artigo,
indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
[...]
III - os parágrafos serão representados pelo sinal
gráfico "§", seguido de
numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se,
quando existente apenas um, a expressão "parágrafo único" por
extenso;
IV -
os incisos serão representados por algarismos romanos, as alíneas por letras
minúsculas e os itens por algarismos arábicos; (grifo nosso)
Notemos
que o legislador explicou de maneira didática e objetiva a maneira correta de
ler os artigos e parágrafos; porém, se omitiu no caso da leitura dos incisos.
Será que, mesmo o legislador não teve a ousadia, ou a certeza da maneira
correta da leitura? Ou, pensou ele que de tão óbvio seria a leitura em cardinal
(aplicação de hermenêutica jurídica), que não precisaria entrar nessa seara?
Os
colegas de curso, devem convir que estamos falando do legislador brasileiro.
Legislador que escreve “futil" sem acento gráfico (vide qualificadoras do
art. 121 do CP), e que não devemos confiar que este tem inteiro conhecimento da
técnica jurídica. Assim, tentemos uma
discussão lógica e coerente, sem cogitar do pensamento do legislador.
Com
efeito, considerando que há omissão da lei, concluímos que a leitura pode se
dar das duas maneiras, sem prejuízo da inteligência do leitor. Isto é, não há
óbice para se ler “inciso um” ou “inciso primeiro”. Contudo, prefere-se que o
uso dos ordinais seja até o inciso nono, caso escolha por essa forma de
leitura.
Em
posição diversa dessa, e aceitando-se apenas a leitura dos incisos em
cardinais, é a lição de Maria Tereza de Queiroz Piacentini, em artigo no site
Âmbito Jurídico,
No caso de título, seção e inciso, que são escritos
em algarismos romanos, e de capítulo - seja em algarismo romano ou arábico,
como numa tese ou livro -, quando o numeral vem depois do substantivo faz-se a
leitura em cardinal, como se houvesse a palavra ‘número’ entre eles: Título
[nº] I (um), Seção VIII (oito), inciso XII (doze), inciso III (três), Cap. IX
(nove), capítulo [nº] 20 (vinte).
Não
obstante, permissa venia, entendo que
é de melhor técnica utilizar a leitura dos incisos em cardinais; na esteira da
leitura dos algarismos romanos que numeram os títulos, capítulos, etc.
E
ainda, devemos pensar que, não “erra” (falo perante uma futura banca de doutos avaliadores)
quem lê ou cita os incisos em numeração cardinal. Porém, pode alguém deparar-se
com a situação de um dos doutos avaliadores, entender que é “errado” a
utilização dos ordinais nos incisos, o que consequentemente trará prejuízo na avaliação.
Diante
disso, cada qual deve escolher a melhor forma de leitura, sem perder de vista
essas situações, inclusive para num futuro saber justificar posições
exacerbadamente críticas, como tivemos como o professor de Penal, ou ainda, algum
outro douto avaliador.
Em
qualquer caso, este artigo, tenho certeza que já tem municiado os leitores
dessa situação, e assim ter argumentos diante da retórica de alguns juristas.
Referências:
BRASIL,
República Federativa do. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.
Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp95.htm
>>. Acesso em: 31.03.2016
PIACENTINI,
Maria Tereza de Queiroz. Artigo oito,
artigo vinte. Disponível em: << http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=visualiza_dica&id_noticia=5786
>>. Acesso em: 31.03.2016