TÍTULO: NOTAS SOBRE A CRÍTICA CRIMINOLÓGICA E O GARANTISMO APLICADO À DECISÃO PENAL
SERRAGLIO, Priscila Zilli;
ZAMBAM, Neuro José. O sentido do direito enquanto direito e o compromisso de
uma sua jurisdição. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ,
Belo Horizonte, ano 13, n. 18, jul./dez. 2015. Disponível em:
<http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=239233>. Acesso em:
8 mar. 2016.
Resumo: A pesquisa intenta
problematizar o aspecto da decisão penal com base no modelo teórico garantista
(Ferrajoli), almejando verificar sua atualidade, limites e possibilidades, uma
vez inserido na problemática inter e transdisciplinar de um modelo integrado de
ciências criminais. Considerando o curso dos discursos sobre a questão
criminal, bem como o desenvolvimento das investigações hermenêuticas que
evidenciam a busca por uma sólida teoria da decisão, sobretudo no contexto
brasileiro pós-88 e o advento da Constituição da República, propõem-se
indagações – essencialmente criminológicas e decorrentes da teoria crítica do
controle social – frente à práxis decisional e seu papel à realidade da questão
criminal contemporânea. A hipótese sustentada explicita necessidade de revisão
crítica do garantismo, almejando, em última análise, um modelo crítico de
ciências criminais.
Belo Horizonte, ano 13, n. 18, jul./dez. 2015
NOTAS SOBRE A CRÍTICA
CRIMINOLÓGICA E O GARANTISMO APLICADO À DECISÃO PENAL1
|
Adrian
Barbosa e Silva
Alexandre Morais da Rosa |
Resumo: A pesquisa intenta problematizar o aspecto da
decisão penal com base no modelo teórico garantista (Ferrajoli), almejando
verificar sua atualidade, limites e possibilidades, uma vez inserido na
problemática inter e transdisciplinar de um modelo integrado de ciências
criminais. Considerando o curso dos discursos sobre a questão criminal, bem
como o desenvolvimento das investigações hermenêuticas que evidenciam a busca
por uma sólida teoria da decisão, sobretudo no contexto brasileiro pós-88 e o
advento da Constituição da República, propõem-se indagações – essencialmente
criminológicas e decorrentes da teoria crítica do controle social – frente à
práxis decisional e seu papel à realidade da questão criminal contemporânea.
A hipótese sustentada explicita necessidade de revisão crítica do garantismo,
almejando, em última análise, um modelo crítico de ciências criminais.
Palavras-chave: Garantismo. Criminologia crítica. Decisão
penal.
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Sumário: 1 Poder dos juristas, juiz penal e
contenção do poder punitivo – 2 Decisão penal garantista: hipóteses
gerais – 3 Decisão penal e oxigenação criminológica: inquietações
iniciais – 4 À guisa de conclusão (?) – Referências
Compreender e interpretar textos não é um expediente reservado apenas
à ciência, mas pertence claramente ao todo da experiência do homem no
mundo.
(Hans-Georg
Gadamer)
1 Poder dos juristas, juiz penal e
contenção do poder punitivo
O modus
operandi dos atores das mais diversas instâncias e agências de controle do
sistema penal, afora as comuns situações arbitrárias, está condicionado à
legalidade (penal), enquanto previsão normativa direcionada ao devido
desenrolar das práticas de punitividade, conforme os critérios de justiça
decorrentes da dogmática jurídico-penal. Nesse viés, direito penal e sistema
penal se encontram em planos distintos e não são a mesma coisa.
Se por
um lado o direito penal representa um conjunto normativo que prevê
crimes/sanções, e que disciplina a incidência/validade dessas normas, a estrutura
geral do crime e a aplicação/execução das sanções cominadas (BATISTA, 2011),
o sistema penal é representativo de algo com maior amplitude e que não está
situado no plano do abstrato: “o conjunto de agências que operam a
criminalização (primária e secundária) ou que convergem na sua produção”
(ZAFFARONI et al., 2011, p. 60).
Entre
as várias agências que estruturam o sistema penal (v.g.,
penitenciárias, policiais, políticas, internacionais, de comunicação, de
reprodução ideológica etc.), as agências judiciais, compostas pelos mais
diversos atores do teatro processual –1 promotores, juízes,
advogados, defensores, serventuários de justiça etc. –, demarcam a estrutura
judicial, isto é, o espaço de exercício das atividades forenses dos juristas
e, em última análise, o espaço do restrito e limitado exercício direto
do poder punitivo, afinal, a maior parte desse poder não se encontra à
“disposição” dos juristas, mas dos demais atores que compõem as demais
instâncias do sistema penal.
Como
bem explica Zaffaroni et al.,
[...] o
poder direto dos juristas dentro do sistema penal limita-se aos raros casos
que as agências executivas selecionam, abarcando o processo de criminalização
secundária, e restringe-se à decisão de interromper ou habilitar a
continuação desse exercício”, de modo que “o direito penal é, pois, um
discurso destinado a orientar as decisões jurídicas que fazem parte do
processo de criminalização secundária, dentro do qual constitui um poder
muito limitado em comparação com o das demais agências do sistema penal
[...]. (ZAFFARONI et al., 2011, p. 64)
A
partir dessas premissas, resta clara a relevância do papel a ser desempenhado
pelo juiz penal, sobretudo se a contextualização se der a partir da
democratização do Estado no pós-88, com o advento da Constituição da
República, que estabelece as bases de um princípio dispositivo (modelo de
processo penal acusatório), em contraposição com os obsoletos e ainda vigentes
Código Penal e de Processo Penal de matizes inquisitórios, produzidos nas
raízes do Golpe Civil-Militar.2
Nos
cenários do jogo processual e da decisão penal, fundamental notar inclusive o
atual état de l’art disciplinar no campo das ciências criminais, que
não mais condiciona a compreensão das disciplinas penais numa ótica
monodisciplinar atomizada, mas desde um enfoque pautado num modelo
integrado de ciências criminais, é dizer, que direcione efetivo diálogo
inter e transdisciplinar entre disciplinas dogmáticas (direito penal e
processual penal) e não dogmáticas (criminologia e política criminal) entorno
da questão criminal.
Assim,
partindo-se do diagnóstico de que mesmo após 1988 a teoria da decisão (penal)
não avançou e ainda permanece aguerrida à uma leitura positiva
(essencialmente kelseniana) da Constituição em vista da permanência da
tradição de julgadores ainda no regime ditatorial e que, por ser assim,
prejudica a realização de direitos humanos fundamentais nas práticas forenses
(PINHO; BRITO, 2014), a reflexão a propósito do interrogante “como devem (ou
deveriam) julgar os juízes penais?” torna-se demasiado pertinente.
No
Brasil, das últimas décadas sobretudo, aparentemente a “melhor” (ou mais
generalizada) resposta à pergunta no espaço acadêmico crítico parece ter sido
fundamentada com base na teoria do garantismo penal, de Luigi Ferrajoli.
Neste breve ensaio, desde o ponto de vista da integração das disciplinas
penais, busca-se trazer algumas indagações a partir da crítica criminológica
que evidenciam os limites de tal escolha teórica, apontando indícios de uma
atitude crítica do jurista, sem prejuízo de realizarmos novos estudos sobre
os limites do garantismo (ROSA, 2011).
2 Decisão penal garantista: hipóteses
gerais
A
teoria do garantismo penal elaborada por Luigi Ferrajoli, estruturante do
sistema garantista (SG), diz respeito à uma espécie de revisão e
aperfeiçoamento do primeiro modelo minimalista-reducionista propalado por
Beccaria, guinado pela filosofia política clássica, que busca suprir suas
limitações a partir de refinadas incorporações de teoria e filosofia
(analítica) do direito, sobretudo.
Destarte,
pode-se dizer que uma das principais virtudes do garantismo aplicado à esfera
penal diz respeito à possibilidade de reconsideração da intervenção do poder
punitivo desde a elaboração de um projeto de racionalização e minimização da
repressão penal, propondo a submissão do aparato de coerção penal (legal e
institucional) do Estado à revisão do atual modelo normativo de direito
penal, da teoria jurídica relativa às categorias conceituais de vigência,
validade e eficácia, bem como a concepção de filosofia política que impõe ao
Estado suas cargas de justificação (COPETTI, 2000).
Conforme
esclarece Ferrajoli (2011), o garantismo pode ser compreendido a partir de
três significados:
(1º)
Modelo normativo de direito (significado jurídico) e, especificamente quanto
ao direito penal, um modelo de – estrita legalidade, próprio do Estado de
Direito, e que pode ser compreendido em três planos: como sistema cognitivo
ou de poder mínimo (plano epistemológico); como técnica de tutela idônea a
minimizar a violência e a maximizar a liberdade (plano político); e como um
sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos
direitos dos cidadãos (plano jurídico).
(2º)
Teoria jurídica da validade/efetividade (significado sociológico) como
categorias distintas, que se distinguem entre si, mas, também, pelas
categorias de “existência” e “vigor” das normas, bem como o “ser” e o “dever
ser” no direito, deixando bastante clara a complexidade dos ordenamentos
jurídicos, e sobretudo, a pretensa distinção entre modelos normativos
(tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente
antigarantistas), questão teórica central deste enfoque, interpretando essa
divergência como a distinção entre o fisiológico e o patológico,
que naqueles subsiste na antinomia validade (e não efetividade),
e, nestes, efetividade (e invalidade) – essas polaridades,
constantes na teoria garantista, a identificam como uma “teoria da
divergência”.
(3º)
Filosofia política de legitimação (significado metajurídico) que requer
justificação externa do direito e do Estado, com base nos interesses que
tutelam e finalidades que almejam alcançar. Nesse significado, o garantismo
engloba o princípio da laicização, que separa direito e moral, validade e
justiça, ponto de vista interno e externo de valoração do ordenamento jurídico,
equivalendo a um parâmetro de (des)legitimação ético-política do direito e do
Estado, desde o ponto de vista externo.
Os três
significados de garantismo, em Direito e razão (FERRAJOLI, 2011),
correspondem à “razão no direito” (epistemologia), “razão do
direito” (filosofia do direito) e “razão de direito” (ciência penal) e
delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo, é
dizer, o caráter vinculado do Poder Público no Estado de direito, a
divergência entre “validade” e “vigor”, a distinção entre “ponto de vista
externo” (ético-político) e “ponto de vista interno” (jurídico) (e justiça
e validade) e, por conseguinte, a autonomia e a prevalência do
primeiro e em certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a
ele das instituições vigentes.
Definido(s)
o(s) conceito(s) de garantismo, essas três orientações de significado, que
são representadas pelas divergências dever ser externo x ser (ou
direito x moral ou justiça x validade), dever ser interno x ser (ou
validade x vigência) e dever ser jurídico x experiência jurídica
concreta (direito x realidade; normatividade efetividade; normas x
fatos), correspondem à estrutura basilar do paradigma garantista.
Referindo-se
à análise que Luis Pietro realiza de sua teoria, Ferrajoli identifica o nexo
inegociável existente entre o garantismo e o constitucionalismo, sendo este a
própria condição de possibilidade de realização daquele, ou seja,
identifica-se no – estado constitucional de direito a única ordem
institucional em que é possível realizar o projeto garantista, por meio dos
vínculos substanciais que a positivação do dever ser constitucional
impõe ao próprio direito positivo (FERRAJOLI, 2009).
Em
última análise, é dizer: o garantismo necessita para fins de realização de
seu projeto ilustrado minimalista do constitucionalismo, enquanto este
necessita daquele para que consiga condicionar a legitimidade do poder
estatal ao cumprimento das exigências que possibilitam a efetivação dos
direitos fundamentais dos cidadãos. Dessa relação decorre a ruptura do
caráter estritamente formal de validade de normas identificado no processo de
produção pelo Poder Legislativo, desembocando, por conseguinte, na superação
revolucionária da tradição (paleo)positivista do direito e na consagração do
princípio da estrita ou estreita legalidade (legalidade substancial)
(CADEMARTORI, 1999; PRADO, 2010).
É
justamente da distinção validade x vigência que a legalidade estrita,
em consonância com o alto grau de desenvolvimento do constitucionalismo
contemporâneo e desde o paradigma garantista, propõe uma releitura
democrática da jurisdição constitucional ao consignar a necessidade de
realização de um rígido controle de constitucionalidade não apenas formal,
mas, sobretudo, material da legislação infraconstitucional, devendo esta
sofrer uma criteriosa análise de conformidade constitucional: as normas
constitucionais passam a ser compreendidas como pressupostos de legitimidade
da matéria infraconstitucional.
Partindo-se
da premissa de que a teoria garantista é uma teoria justificacionista, desde
que pautada e comprometida em respeitar rigorosos critérios de racionalização
e minimização da intervenção estatal, a sua associação teórica ao
constitucionalismo identifica os pressupostos de legitimidade que darão o
caráter democrático ao uso do direito penal e processual penal.
A
explicação sobre a epistemologia garantista, conforme o modelo SG e seus dez
axiomas,3 representados por limitações e
proibições de proteção do cidadão contra o arbítrio ou erro punitivo, permite
inferir que:
[...]
não se admite qualquer imposição de pena sem que se produzam a comissão de um
delito, sua previsão legal como delito, a necessidade de sua proibição e
punição, seus efeitos lesivos para terceiros, o caráter externo ou material
da ação criminosa, a imputabilidade e a culpabilidade do seu autor e, além
disso, sua prova empírica produzida por uma acusação perante um juiz
imparcial, em um processo público e contraditório em face da defesa e
mediante procedimentos legalmente preestabelecidos. (FERRAJOLI, 2009, p. 101)
Assim,
pelos delineamentos epistemológicos do garantismo, o modelo SG identifica um
modelo de direito penal mínimo (racionalismo jurídico), em contraposição à
epistemologia dos modelos autoritários de direito penal máximo
(irracionalismo jurídico), é dizer, com Ferrajoli, um modelo garantista que
“condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela
das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas também a um
ideal de racionalidade e de certeza” (FERRAJOLI, 2011, p. 101).
Assim,
persiste a máxima garantista de que “a certeza do direito penal mínimo está
em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum
culpado possa ficar impune” (FERRAJOLI, 2011, p. 83), contrário à do direito
penal máximo, cuja certeza perseguida está em que nenhum culpado fique
impune, à custa da incerteza de que algum inocente possa ser punido. Em suma,
tratam-se de dois modelos de verdade relativa nitidamente
opostos que, a depender da forma com que tratam da verdade e da intervenção
penal na esfera do indivíduo, darão guarida à potencialização ou contenção da
violência estatal.
Na esteira
do garantismo, Ferrajoli compreende o direito como sistema de garantias,
buscando a superação formalista do positivismo e a abertura e a assunção do
compromisso democrático para com os postulados do Estado constitucional de
direito. Significa, assim, entender a superação da compreensão
paleopositivista de “validez” de caráter formalista e simplista da
legalidade, rumo a uma dimensão conteudística, vinculando substancialmente as
fontes de produção jurídica ao conteúdo proveniente das constituições rígidas.
Daí inaugurar a chamada “lei do mais fraco” (FERRAJOLI, 2010) – a vítima no
momento do delito, o acusado no processo penal e o apenado na execução penal
–, que possui garantias de proteção frente a operacionalidade das agências de
punitividade.
Como explica
Carvalho (2010), realizando crítica às teorias tradicionais de legitimação
(teorias absolutas retributivas e relativas preventivas) ou deslegitimação
(teorias negativas) da pena, a formulação da lei do mais fraco por Ferrajoli
está intimamente conectada à reconstrução da teoria da prevenção geral
negativa (teoria da coação psicológica de Feuerbach), desde bases
utilitaristas, agregando-se como objetivo da sanção penal a finalidade
intimidatória, buscando-se tutelar o autor do delito das vinganças privadas
que possivelmente existiriam caso inexistisse uma pena.
A tese
ferrajoliana é identificada como um utilitarismo reformado e, segundo
sua lógica de funcionalidade, formula-se o axioma: à máxima felicidade
possível aos não desviantes, harmoniza-se o mínimo sofrimento necessário ao
desviante, é dizer, aos não desviantes se direciona o caráter intimidativo da
pena criminal; e aos desviantes, a efetivação de princípios, direitos e
garantias fundamentais. A essa tese, conforma-se a finalidade de prevenção de
delitos e penas informais, contenção do poder punitivo e efetivação da tutela
da pessoa do mais fraco.4
Assim,
conformando-se com o desenvolvimento do constitucionalismo e da democracia
substancial, a teoria garantista revela o caráter contramajoritário de
sua formulação, é dizer, busca conformar respeito aos direitos e garantias
individuais do cidadão, independentemente da vontade da maioria, que,
eventualmente, possua um interesse outro. Não à toa, os direitos e garantias
fundamentais possuem caráter público, e ao serem efetivados para o cidadão
individual, satisfazem o interesse democrático de todos, afinal, todos passam
a dispor da mesma tutela potencial.
3 Decisão penal e oxigenação
criminológica: inquietações iniciais
Segundo
Zaffaroni et al. (2011, p. 64), o direito penal diz respeito à uma
programação, pois
[...]
projeta um exercício de poder (dos juristas). Este poder não pode ser
projetado omitindo estratégias e táticas, ou seja, desconsiderando seus
limites e possibilidades, o que implica incorporar dados da realidade sem os
quais qualquer programação seria absurda e iria promover resultados reais
impensados.
Considerando
as grandes mutações hermenêuticas do pensamento jurídico no que se refere às
formas decisionais, desde a tradição do positivismo exegético iluminista (in
claris cessat interpretatio), na qual o juiz estaria preso ao “espírito
das leis”, perpassando pelo positivismo normativista de Hans Kelsen e sua
“pura” teoria do direito e para o qual a interpretação seria um problema de
política judiciária (e não de teoria do direito), a perspectiva da decisão
garantista, alinhavada na matriz positivista analítica de Ferrajoli, por mais
que dê considerável salto qualitativo às perspectivas anteriores, também
apresenta limites (FERRAJOLI; STRECK; TRINDADE, 2012; ROSA, 2006).
Segundo
Pinho (2013, p. 51), em atenção ao pressuposto axiológico e teórico do modelo
penal garantista (cisão entre direito e moral), “justificar o direito penal
com base nos princípios que lhe dão corpo é fazê-lo, inegavelmente, a partir
de critérios de moralidade, já que esses princípios continuam a ser
exigências da moralidade”. Segundo o raciocínio da autora, que parte do
referencial gadameriano em hermenêutica,
Direito
e moral não podem ser separados, não porque toda norma jurídica tem um
conteúdo valorativo, como diz Ferrajoli; mas porque a produção do Direito
está, desde sempre, imersa na moralidade política, no conjunto de tradições
que (con)formam determinada sociedade. (PINHO, 2013, p. 53)
Assim,
frente à problemática, de base da noção de moralidade política, uma saída
possível seria “construir uma interpretação em que argumentos morais (se)
integram (n)o Direito, na medida em que as decisões devem ser tomadas tendo
em vista o cumprimento de parâmetros de justiça, equidade e integridade, em
uma comunidade de princípios” (PINHO, 2013, p. 75). Com base na decisão como
integridade, esclarece o próprio Dworkin (2007, p. 264) que essa elementar
exige “[...] que as normas públicas da comunidade sejam criadas e vistas, na
medida do possível, de modo a expressar um sistema único e coerente de
justiça e equidade na correta proporção”.
Em Educação
e complexidade, Edgar Morin (2002) descreve a crise do saber científico
contemporâneo, o qual, marcado pelo fenômeno da hiperespecialização,
exacerbou as especializações do conhecimento ao ponto de a justaposição de
compartimentos impossibilitar as comunicações e as solidariedades entre
saberes, que, ignorando a mundialização, passam a tratar os problemas de modo
isolado e narcísico, rechaçando a real complexidade (transversal,
multidimensional e planetária) dos fenômenos objetos de análise.
A tese
advogada por Morin é a da necessidade de construção de um paradigma da
complexidade, fundado na distinção, conjunção e implicação mútua dos
diversos saberes que, segundo tal paradigma, operariam desde uma lógica
interdisciplinar ou transdisciplinar – métodos de estudo que permitem que as
paragens ônticas de cada disciplina respeitem o objeto de investigação da
outra e, portanto, haja comunicação e não dogmatização de verdades
incontestáveis –, de modo que, desde uma releitura da ciência, poder-se-ia religar,
a partir do exercício da problematização, duas culturas separadas: ciência
e humanidades, como uma melhor forma de compreensão da contemporânea
complexidade do real.
No
campo das ciências criminais, uma vez constatada a insuficiência da concepção
estritamente formal do racionalismo clássico, o terreno se tornou propício
para o surgimento da criminologia positivista, que inaugurou, por sua vez,
enfoque científico indutivo das ciências naturais (paradigma etiológico).
A
criminologia, nesse momento, nada mais confirmou-se do que disciplina
auxiliar à dogmática penal, dando ao delito uma percepção ontológica e
naturalista, bem como uma face patológica do delinquente. Essa qualificação
permitiu que essa dependência metodológica convertesse a criminologia
positivista em instância legitimadora do poder punitivo, redimensionando,
dessa feita, a atuação das agências de administração do sistema de justiça
criminal, e, ao mesmo tempo, intensificando uma crença de autossuficiência na
dogmática jurídico-penal, que congloba à sua normatização as categorias
etiológicas.
No
caso, “embebidas no sonho cientificista da radical resolução do problema
(criminalidade), e oprando no interior de modelo bio-psico-social sanitarista
que identifica na diversidade estético-racial o objeto de eliminação (homo
criminalis)”, as disciplinas criminológicas inauguraram verdadeira
“tecnologia repressiva de raiz totalitária que revive a inquisitio”
(CARVALHO, 2010, p. 185).
Paradoxalmente,
o modelo garantista, que é na verdade um modelo limitador da intervenção
estatal, apesar de ser arquitetado na tradição positivista, é analítico e
crítico, e resiste às pretensões de intervenção do Estado no indivíduo – “o
indivíduo tem o direito de ser mau!” –, mas incorre em semelhante erro no que
diz respeito à não incorporação da produção empírica criminológica à
dogmática.
Como
bem lembra Kaufmann (2002, p. 26), “o dogmático parte de pressupostos que
assume como verdadeiros, sem porém, dispor de provas dessa veracidade. Ele
pensa ex datis”, de modo que “mesmo quando adopta uma postura crítica,
nomeadamente na análise de uma norma legal, o argumento da dogmática jurídica
é sempre imanente ao sistema; o sistema vigente permanece intocado”, o que no
quadro da dogmática, em si, é uma atitude perfeitamente legítima, vale
ressaltar.
Portanto,
o grande problema da teoria garantista em Ferrajoli diz respeito à não
incorporação dos elementos empíricos – fruto da Lei de Hume... – provenientes
do desenvolvimento do pensamento criminológico, que já não mais condiz com os
reducionistas pressupostos do positivismo criminológico. A teoria
criminológica de que se fala é a de base crítica, que incorpora o labelling
approach e o materialismo marxista, que na sua contribuição empírica
desvelou as funções reais do poder punitivo – sistema de controle social
desigual e exclusão social de marginalizados –, bem como sua falibilidade de
metas (redução da criminalidade, prevenção de delitos e proteção de bens
jurídicos), superando o paradigma etiológico positivista.5
No
cenário dessa revolução paradigmática em criminologia, explica Vera Andrade
(1995), a mudança de paradigmas “[...] descola e redefine a Criminologia de
um saber auxiliar do Direito Penal e interno ao modelo integrado (que o
cientificiza), para um saber crítico externo sobre ele (que o problematiza e
politiza) convertido em ‘objeto’ criminológico”. A partir de agora, a
“criminalidade” não “é” (o crime não é ontológico e pré-constituído ao ser),
mas “está” sendo sempre construída socialmente. Ela é produto da reação
social.6
Assim,
atentando-se que a função da criminologia crítica será a de problematizar o
sistema de justiça criminal frente suas relações de controle e dominação
exercidas, sendo este o novo objeto de estudo e investigação (e não mais a
figura do criminoso individual):
No
centro desta problematização estão os resultados sobre a secular seletividade
estigmatizante (a criminalização da pobreza e da criminalidade de rua x
imunização da riqueza e da criminalidade de gabinete) e a violência
institucional do sistema penal, sobretudo da prisão, a inversão de suas
promessas, a incapacidade de dar respostas satisfatórias às vítimas e suas
famílias, e a própria Criminologia etiológica e o Direito Penal dogmático são
denunciados em sua função instrumentalizadora e legitimadora da seletividade,
nascendo daí uma nova problemática para a Política Criminal quais são as
alternativas à prisão e ao sistema penal? (ANDRADE, 2008, p. 23).
Portanto,
todas essas contribuições sobre o real não estão presentes na teoria
garantista. No entanto, se utilizado no local em que seu corpo teórico é mais
bem elaborado e aplicado, é dizer, se compreendido como paradigma
(garantista) limitador das ciências criminais, tal como a proposta de
Carvalho, o aporte garantista fornece “importantes ferramentas para
constrição dos poderes punitivos e abre espaço para a sofisticação das
práticas forenses cotidianas voltadas à redução dos danos causados aos
direitos humanos”, compreendendo verdadeiro “modelo crítico de ciências
criminais integradas” (CARVALHO, 2010, p. 128).
Porém,
fazer uso do garantismo não implica crer cegamente em seu paradigma, o que se
busca ao revisitar a filosofia ilustrada clássica, é construir um direito
penal mínimo, com resgate às suas virtudes, isto é, ao seu conteúdo
humanitário e garantidor, porém “sempre compreendendo que a realidade
complexa do contemporâneo estado social e Democrático de Direito demanda, por
óbvio, a releitura de vários conceitos e a reelaboração de algumas ideias”
(PINHO, 2006, p. 120), isto é: autocrítica.
No que
se refere ao campo da decisão, defendendo a hipótese de um influxo do
pensamento criminológico, propõe Baratta (2004, p. 144) a necessidade de um
método sociológico que utilize uma perspectiva epistemológica e metodológica
adequada, ao status teórico do aparto conceitual elaborado pela ciência
jurídico-penal e também analizar a função argumentativa e do controle
decisional que, efetivamente, exercitam e podem exercitar os instrumentos
dogmáticos sobre a estrutura decisional, os mecanismos decisionais e as
decisões do sistema.
Ainda
segundo Baratta (2004, p. 144):
a
ciência jurídico-penal e a metodologia jurídica “tradicional” limitaram a
função do controle argumentativo àquelas variáveis das decisões do sistema de
justiça criminal que normalmente são o objeto da fundamentação de sentenças
judiciais e de atos administrativos (variáveis manifestas) omitindo as
variáveis latentes (variáveis socioestruturais, estereótipos, “teorias do
cotidiano”, etc.).
A
proposta seria, portanto, a de “deslocamento de um garantismo abstrato [...]
para um garantismo crítico e criminologicamente fundamentado, entendido como
vigilância sobre o (des)respeito aos direitos humanos” (ANDRADE, 2012, p.
101).
Como
entende Vera Andrade (2012, p. 101), a ideia é que a perspectiva crítica não
se esgote no garantismo, sendo um passo além precisamente o desafio: “manter
o garantismo em seu devido lugar, ou seja, como tática minimalista micro (e
não como estratégia), sobretudo no interregno de crise de legitimidade do
sistema penal”.
Nesse
sentido, imprescindível que o garantismo abdique da tarefa estéril de legitimar
e justificar juridicamente a pena a partir de seu utilitarismo reformado. A
questão é oriunda do diagnóstico criminológico crítico constatador da
falibilidade das funções declaradas do sistema penal (prevenções geral
e especial, positivas e negativas), sucumbidas frente às preponderantes funções
reais, não declaradas (difusão de controle, violência e criminalidade
etc.).
Diante
dessa problemática, a teoria agnóstica da pena (ou teoria negativa
da pena) se coloca como uma alternativa de reflexão à concepção de
funções declaradas não realizáveis da pena, afirmando não existir nenhuma
função positiva à pena, sendo agnóstica quanto à sua função por confessar não
a conhecer (ZAFFARONI et al., 2011). Daí que, se não existe fundamento
jurídico legitimamente exercível no mundo prático, parece estar certo Tobias
Barreto, segundo o qual “o conceito de pena não é um conceito jurídico, mas
um conceito político” (BARRETO, 2000, p. 178).
Em
clássico exemplo, explica que a pena não tem força para restabelecer direito
violado, de modo que o interesse jurídico, em um homicídio, v. g.,
exigiria que o assassino fosse considerado vivo e perpetuamente condenado a
trabalhar em benefício dos parentes do morto ou da nação prejudicada pelo
aniquilamento de uma vida humana, que, entretanto, não seria uma pena, mas
somente o pagamento de uma dívida, e que poderia muito bem incidir tal
condenação na disciplina do direito das obrigações, e não no direito penal.
Não à toa, é sua célebre frase: “quem procura o fundamento jurídico da pena
deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da
guerra”.
Denegar
a possibilidade de legitimação jurídica da pena, a partir da teoria agnóstica
da pena e equiparar a sua justificação à da guerra, significa, antes de tudo,
concebê-la como ato político cuja conotação é beligerante. Desse modo, a
estratégia de limitação de violência – na busca pela redução de danos –
estaria direcionada à própria contração da política, enquanto limitação do
atuar punitivo, judicial e administrativo.
Ao
explicar que o projeto de minimização do sofrimento imposto pela pena,
agregado à negativação das violências, possibilita a negação a qualquer
tendência justificacionista, realocando o problema da sanção penal da esfera
jurídica à política, Carvalho (2010, p. 150) conclui que “reduzir dor e
sofrimento (danos) seria o único motivo de justificação da pena nas atuais
condições em que é exercida, principalmente nos países periféricos”.
Outrossim,
interessante notar ainda que, se compreendida a criminologia crítica como
discurso crítico-político sobre a criminalização direcionado a contestar o
paradigma etiológico-causal positivista desde a reação social, o próprio
garantismo, em sua construção axiológica de um modelo de intervenção penal
democrático, oferece elementos para a contestação da concepção de delito como
ente natural, destacando-se, exemplificativamente, a distinção direito
penal do fato (garantista) x direito penal do autor (antigarantista).
Ferrajoli
(2011, p. 258), ao criticar as premissas oriundas do positivismo e da defesa
social, explica que tais doutrinas pressupõem uma concepção do poder punitivo
como “‘bem’ metajurídico – o Estado pedagogo, tutor ou terapeuta – e,
simetricamente, do delito como ‘mal’ moral ou ‘doença’ natural ou social, são
as menos liberais e antigarantistas [...] justificam modelos de direito penal
máximo”, que, como a história ensina, são tendencialmente sem limites.
Admitir
a teoria agnóstica da pena enquanto nexo de aproximação e conectividade entre
criminologia crítica e garantismo equivale, portanto, à assunção de uma política
criminal de redução de danos, cuja agenda programática teria como vértice
a contração máxima do poder político, buscando minimizar dor e sofrimento
resultantes das históricas intervenções das agências de controle dos sistemas
penais.
Com
base na moralidade política, via crítica criminológica, os juízes dispõem de
elementos suficientes para argumentar pela defesa dos direitos individuais e
de interesse público, porém, obviamente, esta principiologia – que Dworkin
sinaliza com “equidade”, “justiça”, “devido processo legal adjetivo” e
“integridade” – não pode ser inserida em um modelo consensual e a-histórico
de sociedade, tal como fizera o positivismo ortodoxo (e criminológico), mas
deve, principalmente, refletir sobre a conflituosa e desigual realidade dos
sistemas penais latino-americanos situados na periferia marginal do poder
planetário.
Afinal,
como bem explica Gadamer (2013, p. 32):
o modo
como experimentamos uns aos outros, como experimentamos as tradições
históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo, é
isso que forma um universo verdadeiramente hermenêutico. Nele não estamos
encerrados como entre barreiras intransponíveis; ao contrário, estamos sempre
abertos para o mundo.
E estar
“aberto para o mundo”, demanda, necessariamente, compreensão do trágico
controle social não previsto no idealístico e abstrato mundo jurídico.
4 À guisa de conclusão (?)
Uma das
grandes características da contemporaneidade diz respeito à sublevação de uma
cultura de conhecimento arraigada na ciência (uma “era da ciência”), como se
a condição de possibilidade válida de um saber devesse, obrigatoriamente,
estar pautada no pensamento racional de matriz positiva. É dizer, ainda se
vive o sintoma de dominação pelo paradigma do racionalismo e da atitude
cientificista, herança de muito do desenvolvimento do cogito, ergo sum
cartersiano. Essa é a questão central deste trabalho.
No
curso do desenvolvimento dos pensamentos sobre a questão criminal, e, por via
de consequência, dos modelos de ciências criminais que foram forjados,
verifica-se que o garantismo (Ferrajoli) apresenta problemas e limitações
porque, a despeito de sua tradição analítica-crítica, enquanto herdeiro do
positivismo, crê nos ideais de certeza, verdade, segurança e, no mundo
prático do real – diferente do “mundo dogmático dos juristas” –, a realidade
é bem outra.
Como
visto, diagnosticadas as críticas hermenêuticas no campo da decisão penal,
podendo desde uma perspectiva de um modelo crítico de ciências criminais, tão
somente incorporar os elementos da realidade a partir da crítica
criminológica, na conformidade de uma práxis de resistência e contenção do
poder punitivo.
A ideia
central deste trabalho é, portanto, uma proposta de reflexão crítica sobre o
pensamento clássico das ciências criminais – de que o garantismo é o exemplo
por excelência na contemporaneidade – que ainda persiste como ideal a ser
seguido na proteção dos direitos e liberdades fundamentais.
A
grande questão é: por mais sofisticados que sejam, não podem se alijar das
contribuições centradas no campo do empírico, como é o caso dos aportes
advindos da crítica criminológica, neste marco, importante mecanismo de
contenção do poder punitivo nas mãos do julgador penal e demais juristas
atuantes no cotidiano forense.
Notes about the
criminological critics and the warrantism applied to penal decision
Abstract: The research intends to confront the criminal aspect of the decision
based on the warrantist theoretical model (Ferrajoli) aiming verify its
relevance, limits and possibilities, once inserted into the problematic inter
and transdisciplinary of an integrated model of criminal science. Considering
the course of speeches on the criminal matter, and the development of
hermeneutic investigations show that the search for a solid decision theory,
especially in the post-88 Brazilian context and the advent of the
Constitution, it is proposed questions – essentially criminological and
arising from the critical theory of social control – opposite the decisional
practice and its role to the reality of contemporary criminal matter. The
hypothesis explains the need for critical review of garantismo, aiming
ultimately, a critical model of criminal science.
Keywords: Warrantism. Critical criminology. Criminal decision.
Notas sobre la crítica criminológica y el
garantismo aplicado a la decisión penal
Resumen: La investigación intenta problematizar el
aspecto penal de la decisión basada en el modelo teórico garantista
(Ferrajoli) con el objetivo de comprobar su relevancia, límites y
posibilidades, una vez insertado en la problemática inter y
transdisciplinaria de un modelo integrado de la ciencia penal. Teniendo en
cuenta el curso de los discursos sobre la cuestión criminal, así como el
desarrollo de las investigaciones hermenéuticas que muestran la búsqueda de
una teoría de la decisión sólida, especialmente en el contexto brasileño
post-88 y el advenimiento de la Constitución, se propone indagaciones – esencialmente
criminológicas y derivadas de la teoría crítica del control social – en
contra de la práctica decisoria y su papel a la realidad de la materia penal
contemporáneo. La hipótesis sostenida muestra la necesidad de revisión
crítica del garantismo, objetivando, en última instancia, un modelo crítico
de la ciencia penal.
Palabras-clave: Garantismo. Criminología crítica. Decisión
penal.
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1 A expressão alude Alessandro
Baratta (1987, p. 37-60) ao considerar o processo penal um verdadeiro
“laboratório de transformação teatral”.
2 A propósito da discussão entre
os modelos de processo penal, conferir: Paolo Alvazzi Del Frate e Giuliano
Serges (2012, p. 9-34).
3 Os dez axiomas do SG são: A1 –
Nulla poena sine crimine (princípio retributivo); A2 – Nullum rimen
sine lege (princípio da legalidade); A3 – Nulla lex (poenalis) sine
necessitate (princípio da necessidade); A4 – Nulla necessitas sine
injuria (princípio da lesividade); A5 – Nulla injuria sine actione
(princípio da materialidade); A6 – Nulla actio sine culpa (princípio
da culpabilidade); A7 – Nulla culpa sine juicio (princípio da
jurisdicionariedade); A8 – Nullum judicium sine acusatione (princípio
acusatório); A9 – Nulla accusatio sine probatione (princípio do ônus
da prova); e A10 – Nulla probatio sine defensione (princípio do
contraditório).
4 Por ocasião, essa
instrumentalidade de tutela de direitos fundamentais a partir da intervenção
penal possibilita um significado peculiar de garantismo, como explica
Ferrajoli: “‘Garantismo’, com efeito, significa precisamente a tutela
daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os
interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal,
vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e
das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos,
a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua
liberdade, inclusive por meio do respeito à sua verdade. É precisamente a
garantia destes direitos fundamentais que torna aceitável por todos,
inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal
e o próprio princípio majoritário” (FERRAJOLI, 2011, p. 330).
5 Sobre a “revolução
paradigmática” no campo criminológico, numa perspectiva sincrônica, que
descreve de maneira crítica o deslocamento do pensamento tradicional de cunho
positivista para a criminologia crítica, conferir: Andrade (1995, p. 24-36).
6 O paradigma da reação social
ou do controle social é formado a partir das contribuições do labelling
approach (ou enfoque do etiquetamento). Sobre tal paradigma, explica
Vera Andrade: “Modelado pelo interacionismo simbólico e etnometodologia como
esquema explicativo de ‘conduta desviada’ e ‘reação social’, como termos
reciprocamente interdependentes, para formular sua tese central: a de que o
desvio e a criminalidade não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma
entidade ontológica preconstituída à reação social e penal, mas uma qualidade
(etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos
de integração social; isto é, de processos formais e informais de definição e
seleção” (ANDRADE, 1995, p. 28).
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme
a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este
texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da
seguinte forma:
SILVA, Adrian Barbosa e; ROSA, Alexandre Morais da. Notas sobre a crítica criminológica e o garantismo aplicado à decisão penal. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ, Belo Horizonte, ano 13, n. 18, jul./dez. 2015. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=239252>. Acesso em: 8 mar. 2016.
Como citar este conteúdo na versão impressa:
Conforme
a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este
texto científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte
forma:
SILVA, Adrian Barbosa e; ROSA, Alexandre Morais da. Notas sobre a crítica criminológica e o garantismo aplicado à decisão penal. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ, Belo Horizonte, ano 13, n. 18, p. 59-74, jul./dez. 2015. |
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