sábado, 5 de março de 2016

COSTUME E CIÊNCIA DO DIREITO – LIVRO: HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO (CARLOS MAXIMILIANO)



 A Hermenêutica Jurídica é um componente importante para os interessados em ter uma melhor compreensão da norma jurídica em sua amplitude e alcance. Pensando nisso, disponibilizamos trechos da obra do clássico de Hermenêutica Jurídica no Brasil, Carlos Maximiliano. Desta feita, trazendo os temas “costumes” e “ciência do Direito”. Para acessar, clique em “LEIA MAIS”.

COSTUMES

Costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante de prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei. Ao conjunto de tais regras não escritas chama-se Direito Consuetudinário.

Não é licito interpretar a lei de modo que resultem antinomias ou contradições entre os seus preceitos; ora o Código brasileiro prestigia expressamente usos e costume, prescreve a sua observância, nos arts. 588, 1.192, 1.210, 1.215, 1.218, 1.219, 2.221 e 1.242; logo não poderia o art. 1.807 ser inspirado pelo intuito de os varrer todos da tela jurídica, sem exceções futuras.

Exerce o costume duas funções: a de Direito Subsidiário, para completar o Direito Escrito e lhe preencher as lacunas; e a de elemento de Hermenêutica, auxiliar da exegese. Só no primeiro caso, isto é, quando adquire autoridade compulsória, força de lei, o art. 1.807 lhes extingue a eficácia; pois os costume e usos anteriores ajudam a interpretar os dispositivos do Código, que dos mesmos emergiram evolutivamente. Como elemento de Hermenêutica o costume não é aproveitado por obrigação; fica o seu emprego, neste particular, ao critério do aplicador do Direito, como acontece, aliás, com os demais fatores de trabalho interpretativo.

Os próprios idólatras da lei escrita, que negam ao costume função relativamente criadora, lhe não recusam o caráter interpretativo. Logo, se ao art. 1.807 se não opõe ao surto de uso e costume como Direito Subsidiário, posterior ao Código Civil, a fortiori os tolera e acolhe como elementos de exegese.

Há três espécies de costumes: o secundum legen, previsto no texto escrito, que a ele se refere, ou manda observá-la em certos casos, como Direito Subsidiário; o proeter legem, que substitui a lei nos casos pela mesma deixados em silencio; preenche as lacunas das normas positivas e serve também como elemento de interpretação; o contra legem, que se forma em sentido contrário ao das disposições escritas.

A não aplicação, embora prolongada, pode explicar-se por motivos estranhos à ideia de revogação, e até exclusivos desta: por isso seria temerário considerar ab-rogado um dispositivo simplesmente porque o não observam há longo tempo. A vaidade, a obsessão, doutrinária, a fraqueza, os cálculos políticos, a negligência do Poder Executivo, a ignorância das partes e motivos semelhantes contribuem para reduzir a letra morta preceitos imperativos, o que não importa em ab-rogação dos mesmos.

Sempre se consideraram indispensáveis alguns requisitos para que estilos, praxes, usos tomassem o caráter de norma costumeira; deveriam ser “uniformes, públicos, multiplicados por longo espaço de tempo e constantemente tolerados pelo legislador”.

Em resumo: tem valor jurídico  uso, ou costume, diuturno, constante, uniforme e não contrário ao Direito vigente.

Quanto maior o prazo, maior o valor da prática ou nora consuetudinária.

CIÊNCIA – CIÊNCIA DO DIREITO

A Ciência do Direito não é só elemento relativamente criador, apto a suprir lacunas dos textos; mas também um fator de coordenação e de exegese; auxilia a eliminar contradições aparentes e atingir, através da letra rígida, ou ideal jurídico dos contemporâneos.

Para ser um bom hermeneuta, há mister conhecer bem o sistema jurídicos vigentes. A ciência antecede a jurisprudência; é a primeira a inspirar soluções para os casos duvidosos. Oferece ainda vantagem de ver do alto os fenômenos e por isso, mais concorre para os compreender e resolver de acordo com os objetivos superiores da sociedade.

O Direito é um todo orgânico; portanto não seria lícito apreciar-lhe uma parte isolada, com indiferença pelo acordo com as demais. Não há intérprete seguro sem uma cultura completa. O exegeta de normas isoladas será um legureio; só o sistematizador merece o nome de jurisconsulto; e, para sistematizar, é indispensável ser capaz de abranger, de um relance, o complexo inteiro, ter a largueza de vistas do conhecedor perfeito de uma ciência e das outras disciplinas, propedêuticas e complementares.

Na verdade, seria perigoso seguir logo o primeiro livro que se abrisse; pior ainda obedecer às cegas ao espírito de inovação, preferir tudo quanto é ou parece novidade. Sobretudo, o juiz deve aplicar a boa doutrina, porém depois de vencedora pelo menos nas cátedras escolares e entre  tratadistas; a solução teórica definitiva, que o maior número é obrigado a conhecer para se orientar na prática e evitar os litígios. Adotar logo a primeira novidade é estabelecer a surpresa nos julgamentos, e revelar injusto desdém pelas vantagens decorrentes da certeza do Direito.

Fica bem ao magistrado aludir às teorias recentes, mostrar conhecê-las, porém só impor em aresto a sua observância quando deixarem de ser consideradas ultra-adiantadas, semirrevolucionárias; obtiverem o aplauso dos moderados, não misoneístas, porém prudentes, doutos e sensatos.

Não há ciência isolada e integral; nenhuma pode ser manejada com mestria pelo que ignora todas as outras. Quando falham os elementos filológicos e os jurídicos, é força recorrer aos filosóficos, aos históricos, às ciências morais e políticas.

Vem de longe o reconhecimento da necessidade, para o hermeneuta de conhecer bem as leis, em conjunto, o Direito em suas fontes, próximas e remontar; encontram-se as últimas na ciência, em geral, e nas ciências sociais, em particular. Os grandes jurisconsultos têm algo de estadistas e muito de sociólogos; sofreram todos uma preparação prévia nos vários ramos de conhecimentos humanos e continuaram a cultivar com amor alguns, em regra os mais relacionados com o Direito. Os homens de ilustração variada e sólida, sobretudo nos tribunais superiores, dão melhores juízes, de vistas mais largas, do que os meros estudiosos do Direito Positivo, que infelizmente constituem maioria.

Não é possível isolar as ciências jurídicas do complexo de conhecimentos que formam a cultura humana; quem só o Direito estuda, não sabe Direito. O preparo geral, e especialmente o relacionado com a Sociologia, contribui para esclarecer o espírito do aplicador da lei. Às vezes, em caso isolado, porém relevante, um ramo particular da ciência presta serviços especiais; a ele recorre o hermeneuta em trabalhos de gabinete, ou o próprio juiz por meio de perícia.

Quantas vezes não é o Direito propriamente, são as ciências diversas que levam a repelir uma solução: por exemplo, a impossível, ou absurda! Realmente, não basta conhecer as leis, para saber quando é o caso do brocardo de Celso “Ninguém está obrigado a cumprir o impossível”.

A relação lógica entre a expressão e o pensamento faz discernir se a lei contém algo de mais ou de menos do que a letra parece exprimir, as circunstâncias extrínsecas revelam uma ideia fundamental mais ampla ou mais estreita e põem em realce o dever de estender ou restringir o alcance do preceito. Mais do que regras fixas influem no modo de aplicar uma norma, se ampla, se estritamente o fim colimado, os valores jurídicos-sociais que lhe presidiram à elaboração e lhe condicionam a aplicabilidade.

A pesquisa do sentido não constitui objetivo único do hermeneuta; é antes o pressuposto de mais ampla atividade. Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todos o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial; porém a ideia básica deve ser  aplicada na íntegra, em todas as hipótese que na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador; também se induz de disposições particulares um princípio amplo.

As duas expressões – interpretação extensiva e restritiva deixam na penumbra, indistintas, imprecisas, mais ideias do que a linguagem faz presumir; tomadas na acepção literal, conduzem a frequentes erros. Nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade em verificar se deve passar além, ou ficar aquém do que as palavras parecem indicar. Demais não se trata de acrescentar coisa alguma, e, sim, de atribuir à letra o significado que lhe compete: mais amplo aqui, estrito acolá. A interpretação extensiva não faz avançar as raias do preceito; ao contrário, como a aparência verbal leva ao recuo, exegese impele os limites de regra até ao seu verdadeiro posto. Semelhante advertência, mutatis mutandis, tem cabimento a respeito da interpretação restritiva; não reduz o campo da norma; determina-lhe as fronteiras exatas; não conclui de mais nem de menos do que o texto exprime, interpretado à luz das ideias modernas sobre Hermenêutica. Rigorosamente, portanto, a exegese restritiva corresponde, na atualidade, à que outrora se denominava declarativa estrita, apenas declara o sentido verdadeiro e o alcance exato; evita a dilatação, porém não suprime coisa alguma. Abstém-se, entretanto, de exigir o sentido literal: a precisão reclamada consegue-se com o auxílio dos elementos lógicos, tomados em apreço todos os fatores jurídico-socais que influíram para elaborar a regra positiva.

Não existe, portanto, preceito absoluto. Ao contrário mais do que as regras precisas influem as circunstâncias ambientes e o fator teleológico. Até mesmo depois de firmada a preferência por um dos efeitos, ainda será força aquilatar o grau de amplitude, ou de precisão; o seu apreçamento depende de sub-regras e, sobretudo, do critério jurídico do intérprete: por exemplo, as leis fiscais suportam só exegese estrita, porém as exceções aos seus preceitos, as isenções e impostos, reclamam rigor maior.

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