A Hermenêutica Jurídica
é um componente importante para os interessados em ter uma melhor compreensão
da norma jurídica em sua amplitude e alcance. Pensando nisso, disponibilizamos
trechos da obra do clássico de Hermenêutica Jurídica no Brasil, Carlos
Maximiliano. Desta feita, trazendo os temas “costumes” e “ciência do Direito”. Para
acessar, clique em “LEIA MAIS”.
COSTUMES
Costume é uma norma
jurídica sobre determinada relação de fato e resultante de prática diurna e
uniforme, que lhe dá força de lei. Ao conjunto de tais regras não escritas
chama-se Direito Consuetudinário.
Não é licito
interpretar a lei de modo que resultem antinomias ou contradições entre os seus
preceitos; ora o Código brasileiro prestigia expressamente usos e costume,
prescreve a sua observância, nos arts. 588, 1.192, 1.210, 1.215, 1.218, 1.219, 2.221
e 1.242; logo não poderia o art. 1.807 ser inspirado pelo intuito de os varrer
todos da tela jurídica, sem exceções futuras.
Exerce o costume duas
funções: a de Direito Subsidiário, para completar o Direito Escrito e lhe
preencher as lacunas; e a de elemento de Hermenêutica, auxiliar da exegese. Só
no primeiro caso, isto é, quando adquire autoridade compulsória, força de lei,
o art. 1.807 lhes extingue a eficácia; pois os costume e usos anteriores ajudam
a interpretar os dispositivos do Código, que dos mesmos emergiram
evolutivamente. Como elemento de Hermenêutica o costume não é aproveitado por
obrigação; fica o seu emprego, neste particular, ao critério do aplicador do
Direito, como acontece, aliás, com os demais fatores de trabalho
interpretativo.
Os próprios idólatras
da lei escrita, que negam ao costume função relativamente criadora, lhe não
recusam o caráter interpretativo. Logo, se ao art. 1.807 se não opõe ao surto
de uso e costume como Direito Subsidiário, posterior ao Código Civil, a fortiori os tolera e acolhe como
elementos de exegese.
Há três espécies de
costumes: o secundum legen, previsto
no texto escrito, que a ele se refere, ou manda observá-la em certos casos,
como Direito Subsidiário; o proeter legem,
que substitui a lei nos casos pela mesma deixados em silencio; preenche as
lacunas das normas positivas e serve também como elemento de interpretação; o contra legem, que se forma em sentido
contrário ao das disposições escritas.
A não aplicação, embora
prolongada, pode explicar-se por motivos estranhos à ideia de revogação, e até
exclusivos desta: por isso seria temerário considerar ab-rogado um dispositivo
simplesmente porque o não observam há longo tempo. A vaidade, a obsessão,
doutrinária, a fraqueza, os cálculos políticos, a negligência do Poder
Executivo, a ignorância das partes e motivos semelhantes contribuem para
reduzir a letra morta preceitos imperativos, o que não importa em ab-rogação
dos mesmos.
Sempre se consideraram indispensáveis
alguns requisitos para que estilos, praxes, usos tomassem o caráter de norma costumeira;
deveriam ser “uniformes, públicos, multiplicados por longo espaço de tempo e
constantemente tolerados pelo legislador”.
Em resumo: tem valor
jurídico uso, ou costume, diuturno,
constante, uniforme e não contrário ao Direito vigente.
Quanto maior o prazo,
maior o valor da prática ou nora consuetudinária.
CIÊNCIA – CIÊNCIA DO DIREITO
A Ciência do Direito
não é só elemento relativamente criador, apto
a suprir lacunas dos textos; mas
também um fator de coordenação e de exegese; auxilia a eliminar contradições
aparentes e atingir, através da letra rígida, ou ideal jurídico dos contemporâneos.
Para ser um bom
hermeneuta, há mister conhecer bem o sistema jurídicos vigentes. A ciência
antecede a jurisprudência; é a primeira a inspirar soluções para os casos
duvidosos. Oferece ainda vantagem de ver do alto os fenômenos e por isso, mais
concorre para os compreender e resolver de acordo com os objetivos superiores
da sociedade.
O Direito é um todo
orgânico; portanto não seria lícito apreciar-lhe uma parte isolada, com
indiferença pelo acordo com as demais. Não há intérprete seguro sem uma cultura
completa. O exegeta de normas isoladas será um legureio; só o sistematizador
merece o nome de jurisconsulto; e, para sistematizar, é indispensável ser capaz
de abranger, de um relance, o complexo inteiro, ter a largueza de vistas do
conhecedor perfeito de uma ciência e das outras disciplinas, propedêuticas e
complementares.
Na verdade, seria
perigoso seguir logo o primeiro livro que se abrisse; pior ainda obedecer às
cegas ao espírito de inovação, preferir tudo quanto é ou parece novidade.
Sobretudo, o juiz deve aplicar a boa doutrina, porém depois de vencedora pelo
menos nas cátedras escolares e entre tratadistas;
a solução teórica definitiva, que o maior número é obrigado a conhecer para se
orientar na prática e evitar os litígios. Adotar logo a primeira novidade é
estabelecer a surpresa nos julgamentos, e revelar injusto desdém pelas
vantagens decorrentes da certeza do Direito.
Fica bem ao magistrado
aludir às teorias recentes, mostrar conhecê-las, porém só impor em aresto a sua
observância quando deixarem de ser consideradas ultra-adiantadas,
semirrevolucionárias; obtiverem o aplauso dos moderados, não misoneístas, porém prudentes, doutos e sensatos.
Não há ciência isolada
e integral; nenhuma pode ser manejada com mestria pelo que ignora todas as
outras. Quando falham os elementos filológicos e os jurídicos, é força recorrer
aos filosóficos, aos históricos, às ciências morais e políticas.
Vem de longe o reconhecimento
da necessidade, para o hermeneuta de conhecer bem as leis, em conjunto, o
Direito em suas fontes, próximas e remontar; encontram-se as últimas na
ciência, em geral, e nas ciências sociais, em particular. Os grandes
jurisconsultos têm algo de estadistas e muito de sociólogos; sofreram todos uma
preparação prévia nos vários ramos de conhecimentos humanos e continuaram a
cultivar com amor alguns, em regra os mais relacionados com o Direito. Os
homens de ilustração variada e sólida, sobretudo nos tribunais superiores, dão
melhores juízes, de vistas mais largas, do que os meros estudiosos do Direito
Positivo, que infelizmente constituem maioria.
Não é possível isolar
as ciências jurídicas do complexo de conhecimentos que formam a cultura humana;
quem só o Direito estuda, não sabe Direito. O preparo geral, e especialmente o
relacionado com a Sociologia, contribui para esclarecer o espírito do aplicador
da lei. Às vezes, em caso isolado, porém relevante, um ramo particular da ciência
presta serviços especiais; a ele recorre o hermeneuta em trabalhos de gabinete,
ou o próprio juiz por meio de perícia.
Quantas vezes não é o
Direito propriamente, são as ciências diversas que levam a repelir uma solução:
por exemplo, a impossível, ou absurda! Realmente, não basta conhecer as leis,
para saber quando é o caso do brocardo de Celso “Ninguém está obrigado a
cumprir o impossível”.
A relação lógica entre
a expressão e o pensamento faz discernir se a lei contém algo de mais ou de menos
do que a letra parece exprimir, as circunstâncias extrínsecas revelam uma ideia
fundamental mais ampla ou mais estreita e põem em realce o dever de estender ou
restringir o alcance do preceito. Mais do que regras fixas influem no modo de
aplicar uma norma, se ampla, se estritamente o fim colimado, os valores
jurídicos-sociais que lhe presidiram à elaboração e lhe condicionam a
aplicabilidade.
A pesquisa do sentido
não constitui objetivo único do hermeneuta; é antes o pressuposto de mais ampla
atividade. Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o
espírito, o princípio nuclear, todos o conteúdo da norma. O legislador declara
apenas um caso especial; porém a ideia básica deve ser aplicada na íntegra, em todas as hipótese que
na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos
termos adotados pelo legislador; também se induz de disposições particulares um
princípio amplo.
As duas expressões – interpretação
extensiva e restritiva deixam na penumbra, indistintas, imprecisas, mais ideias
do que a linguagem faz presumir; tomadas na acepção literal, conduzem a
frequentes erros. Nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a
dificuldade em verificar se deve passar além, ou ficar aquém do que as palavras
parecem indicar. Demais não se trata de acrescentar coisa alguma, e, sim, de
atribuir à letra o significado que lhe compete: mais amplo aqui, estrito acolá.
A interpretação extensiva não faz avançar as raias do preceito; ao contrário,
como a aparência verbal leva ao recuo, exegese impele os limites de regra até
ao seu verdadeiro posto. Semelhante advertência, mutatis mutandis, tem cabimento a respeito da interpretação
restritiva; não reduz o campo da norma; determina-lhe as fronteiras exatas; não
conclui de mais nem de menos do que o texto exprime, interpretado à luz das
ideias modernas sobre Hermenêutica. Rigorosamente, portanto, a exegese
restritiva corresponde, na atualidade, à que outrora se denominava declarativa
estrita, apenas declara o sentido verdadeiro e o alcance exato; evita a
dilatação, porém não suprime coisa alguma. Abstém-se, entretanto, de exigir o
sentido literal: a precisão reclamada consegue-se com o auxílio dos elementos lógicos,
tomados em apreço todos os fatores jurídico-socais que influíram para elaborar
a regra positiva.
Não existe, portanto,
preceito absoluto. Ao contrário mais do que as regras precisas influem as circunstâncias ambientes e o fator teleológico. Até mesmo depois de
firmada a preferência por um dos efeitos, ainda será força aquilatar o grau de
amplitude, ou de precisão; o seu apreçamento depende de sub-regras e,
sobretudo, do critério jurídico do intérprete: por exemplo, as leis fiscais
suportam só exegese estrita, porém as exceções aos seus preceitos, as isenções
e impostos, reclamam rigor maior.
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Agradecemos pela leitura da
postagem.
Dúvidas ou sugestões, contate-nos.
Bons estudos, e sucesso sempre!
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